Lei de Cotas completa mais de 30 anos, mas inclusão plena ainda é desafio
Mesmo com avanços legais, pessoas com deficiência relatam barreiras no trabalho e na vida social
INCLUSÃO EM PAUSAA Lei de Cotas, que reserva de 2% a 5% das vagas em empresas de médio e grande porte para pessoas com deficiência, existe há mais de três décadas. Mas a realidade mostra que a legislação, sozinha, não garante inclusão plena.
“Não basta contratar. É preciso que o ambiente de trabalho esteja pronto para acolher as diferenças”, afirma Angela Maria Frata, professora e coordenadora de cursos de Administração, Ciências Contábeis e Gestão de Recursos Humanos da Estácio em Campo Grande. Para ela, a acessibilidade vai além da lei: “O respeito às limitações e o combate ao capacitismo são fundamentais para que a inclusão seja de fato efetiva.”
Angela perdeu a audição de um dos ouvidos aos 35 anos, após uma cirurgia. Desde então, precisou adaptar sua rotina como docente. “Ouvir com um só ouvido em meio ao barulho da sala é muito desafiador. Pedi para que levantassem a mão ao falar, para identificar de onde vinha o som. Sempre deixo claro no primeiro dia minhas limitações, para evitar mal-entendidos.”
As adaptações, no entanto, não eliminam os obstáculos. “Em reuniões e eventos, o excesso de ruído gera o que chamo de ‘ressaca auditiva’. Fico confusa, cansada e acabo perdendo oportunidades de networking. Profissionalmente, esse é o maior prejuízo”, relata.
Ela também aponta que deficiências invisíveis muitas vezes não são reconhecidas pelas instituições. “O mercado exige que o PCD seja tão bom quanto, ou melhor, do que uma pessoa sem deficiência, sem reconhecer suas limitações. Esse descompasso pode gerar frustração e até configurar assédio moral.”
Para enfrentar as dificuldades, Angela adotou ferramentas como o cordão de girassol, usado para identificar deficiências invisíveis, e o aparelho auditivo Cross, que transmite o som do ouvido surdo para o ouvido bom. Mesmo assim, lembra que a tecnologia encontra limites em ambientes ruidosos.
Da experiência nasceu também um envolvimento maior com o movimento de pessoas com deficiência auditiva unilateral. Em 2023, uma lei reconheceu oficialmente essa condição como deficiência. “Um dia minha psicóloga me perguntou: ‘O que você está fazendo para que essa lei saia?’. A partir daí, voltei a me envolver com o movimento. Criamos a página Surdos de Um Ouvido e conseguimos unir pessoas de todo o Brasil.”
Para ela, o caminho ainda depende de mudança cultural. “Campanhas de conscientização são urgentes para transformar tanto os que excluem por desconhecimento quanto os que discriminam por preconceito”, afirma.
A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em vigor desde 2008, reforça que a deficiência faz parte da condição humana e que qualquer pessoa, em algum momento da vida, pode vivenciar essa realidade, seja de forma temporária ou permanente.