Por Rosário Maiettini | 17 de setembro de 2025 - 10h05

Nossa língua é "coisa de índio"!

Rosário Maiettini (*)

ARTIGO
Rosário Maiettini - (Foto: Divulgação)

A palavra, como se sabe, é um ser vivo. 

Temos que ter respeito por ela, porque a diferença entre a palavra certa e a palavra quase certa é a mesma diferença que existe entre um relâmpago e um vagalume, como nos diria Mark Twain. 

Alguém pode negar que é através da palavra que nós, humanos, alcançamos a compreensão mútua, mesmo depois de muito perrengue? Perrengue é gíria, e a gíria faz parte da vivacidade de uma língua. 

As palavras são códigos, e a quebra dos códigos é traição a toda uma sociedade. 

No presente momento, estamos usando demasiadamente a palavra grega Democracia – governo do povo, pelo povo, para o povo. Um vagalume.  

Também utilizamos a palavra italiana Fascismo, que é derivada do latim, fasces, um feixe de varas amarrada em volta de um machado, símbolo do poder conferido aos magistrados na República Romana, para flagelar e decapitar cidadãos desobedientes. Outro vagalume. 

E tudo isso através da Política, palavra grega - Pólis, administração das Cidades-Estados. 

E, com certa tristeza, acrescentamos a estas a palavra alemã Schadenfreude que significa “a sensação de felicidade pela tristeza alheia”. 

Na presente Babel – palavra hebraica que significa confusão de línguas ou grandes algazarras, podemos descrever o nosso mundo polarizado. 

As palavras e seus significados formam nosso universo mental. 

Somos povoados por palavras que por si só, não são nem boas, nem más, porém, seus conceitos e preconceitos, de um modo geral, acionam gatilhos –palavra de origem espanhola – que, mexendo com nossas emoções, nos fazem agir. 

As palavras excitam a mente e exaltam o espírito, mas uma mente vigorosa requer curiosidade e um espírito preparado exige abertura. 

No nosso planeta existiram línguas poderosas – o latim, o grego, o sânscrito, línguas clássicas, que vivem nos vocábulos de diversas ciências, sendo fundamental no direito, na medicina, na biologia, na filosofia e, cá entre nós, o poder das palavras estava no tupi-guarani. 

Nossa língua original era tão vigorosa que no ano de 1758 o Marques de Pombal proibiu o uso do idioma e chegou a apagar os nomes indígenas de várias localidades brasileiras. 

Palavras! Palavras! Palavras! 

Duas palavras, muito curtas, muito antigas e muito comuns, são usadas em todos os idiomas e em todos os dialetos do planeta – sim e não – e são as que em todos os tempos, antigos ou modernos, exigem uma grande reflexão antes de serem proferidas. 

Entre o sim e o não, os “diálogos” (palavra grega, dos grandes filósofos) poderiam ser imensamente mais frutíferos se fosse usado com mais frequência a expressão: eu não sei. 

Sem palavras, nada somos, nós existimos e somos visíveis apenas porque temos voz e por isso é extremamente importante que ela não seja calada. 

Quanto aos idiomas e dialetos de todos o planeta, podemos homenageá-los com um texto de Ribeiro Couto: “Língua que fostes de uns e fostes de outros / Língua de continente, marinheira / Línguas de brancos, negros e ainda outros. / Que bom haver quem como nós te queira”. 

(*) Rosário Maiettini é jornalista e autora do livro “Volta ao mundo em 280 páginas – Do crepúsculo ao alvorecer”.