Redação | 10 de setembro de 2025 - 08h00

Como a censura às redes sociais levou a geração Z a derrubar o governo do Nepal

Bloqueio de aplicativos populares virou gatilho para uma onda de protestos que expôs corrupção, desemprego e desigualdade. Pressão nas ruas resultou na renúncia do premiê K.P. Sharma Oli após 22 mortes em confrontos.

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Manifestantes tiram selfies e comemoram no Singha Durbar, sede de vários ministérios e escritórios do governo do Nepal, após o local ter sido incendiado - (Foto: Niranjan Shrestha/AP)

O bloqueio das redes sociais pelo governo do Nepal foi a faísca que desencadeou a maior onda de protestos no país em uma década. Jovens da Geração Z, principais usuários dessas plataformas, transformaram a censura em bandeira de luta contra uma elite política acusada de corrupção e incapaz de oferecer perspectivas de futuro.

As manifestações rapidamente se espalharam por Katmandu, onde prédios públicos e residências de políticos foram incendiados. A repressão violenta deixou 22 mortos, aprofundando a revolta popular.

Fumaça sai da Casa Presidencial em chamas, incendiada por manifestantes em Katmandu em 9 de setembro de 2025, um dia após manifestações contra a proibição das redes sociais

No Nepal, aplicativos como WhatsApp, Facebook e TikTok não são apenas espaços de comunicação e lazer. Eles são fundamentais para:

Ao cortar esse acesso, o governo não apenas limitou a liberdade de expressão, mas também comprometeu a economia doméstica e a vida cotidiana da população.

O estopim foi a censura, mas as causas da crise são mais antigas. O desemprego atinge principalmente os jovens — em 2024, a taxa oficial era de 12,6%, sem contar milhões de trabalhadores informais. Muitos deixam o país em busca de empregos na Índia, Golfo Pérsico e Malásia, enviando remessas que representam mais de 26% da economia nacional.

Ao mesmo tempo, sucessivos escândalos de corrupção minaram a confiança no sistema político. Investigações sobre desvios milionários em obras de infraestrutura e favorecimento a elites reforçaram a percepção de que poucos se beneficiam enquanto a maioria luta para sobreviver.

Manifestantes comemoram no Singha Durbar, sede de vários ministérios e escritórios do governo do Nepal, após incendiá-lo durante um protesto contra a proibição de mídias sociais e corrupção em Katmandu

Diante da pressão crescente, o primeiro-ministro K.P. Sharma Oli, de 73 anos, renunciou ao cargo em 9 de setembro de 2025. Ainda assim, a renúncia não foi suficiente para conter a insatisfação, já que os manifestantes acusam toda a classe política de manter privilégios em meio à crise social e econômica.

Desde o fim da monarquia e a adoção da Constituição de 2015, o Nepal alterna primeiros-ministros em mandatos curtos, sem estabilidade nem respostas concretas às demandas da população. Para a Geração Z, que cresceu conectada e globalizada, a democracia prometida não correspondeu às expectativas.

O movimento iniciado pela censura digital acabou se transformando em um grito contra corrupção, desigualdade e falta de oportunidades, levando à queda de um governo e colocando o Nepal diante de um futuro incerto.