Lavínia Kaucz, Pedro Augusto Figueiredo, Fellipe Gualberto, Juliano Galisi, Pepita Ortega e B | 02 de setembro de 2025 - 07h20

Julgamento histórico no STF pressiona direita e amplia crise no entorno de Bolsonaro

Com início nesta terça, processo contra ex-presidente por tentativa de golpe provoca racha entre aliados e impulsiona nome de Tarcísio para 2026

POLÍTICA
Jair Messias Bolsonaro é acusado de cinco crimes e, em eventual condenação, pode encarar pena de até 43 anos. - (Foto: Gustavo Moreno/STF)

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta terça-feira (2) um julgamento inédito na história do Brasil: pela primeira vez, um ex-presidente da República e militares de alta patente são formalmente acusados de planejar um golpe de Estado. A ação penal, considerada o “núcleo crucial” da tentativa de ruptura institucional após as eleições de 2022, tem Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no centro da denúncia.

Além de Bolsonaro, são acusados os generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente.

Com exceção de Ramagem, todos os réus respondem por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado com violência e deterioração de patrimônio tombado. As penas somadas podem ultrapassar 40 anos de prisão.

A iminência do julgamento reacendeu disputas dentro da direita bolsonarista, com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ganhando força como possível nome para disputar a Presidência em 2026. A movimentação, porém, gerou atrito com Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, que já declarou que Tarcísio “não representa o perfil de combate” esperado pelos eleitores conservadores.

Durante reunião ministerial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse ver em Tarcísio o principal adversário nas próximas eleições. O governador, por sua vez, afirmou ao Diário do Grande ABC que, caso eleito, seu primeiro ato como presidente será conceder um indulto a Bolsonaro, caso ele seja condenado. “Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado”, declarou.

Tarcísio esteve em Brasília nesta segunda-feira (1º), onde se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do partido, Marcos Pereira. Segundo apuração do Estadão, o tema da conversa foi o debate sobre uma possível anistia aos envolvidos na trama golpista.

O julgamento também tem repercussões fora do Brasil. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, usou a ação penal contra Bolsonaro como justificativa para impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e sanções diplomáticas contra ministros do STF, incluindo o relator do processo, Alexandre de Moraes. Moraes foi incluído na chamada Lei Magnitsky, mecanismo legal americano para punir autores de graves violações aos direitos humanos.

A postura dos EUA gerou críticas, mas a maioria dos ministros do STF tem reafirmado apoio às decisões do relator, que se tornou um símbolo da resposta institucional aos atos antidemocráticos.

O caso ganhou destaque em veículos internacionais como o The Washington Post, que classificou o julgamento como uma virada de página na política brasileira. A publicação ouviu historiadores como Carlos Fico, que destacou o ineditismo do processo: “Durante décadas, estudei mais de uma dúzia de golpes e tentativas de golpe, e todos eles resultaram em impunidade ou anistia. Desta vez será diferente”.

A historiadora Lilia Schwarcz também chamou atenção para o caráter “simbólico” do julgamento, que rompe com o histórico de silêncio institucional sobre a responsabilização de militares no Brasil, principalmente desde a redemocratização.

A defesa de Jair Bolsonaro nega qualquer participação no plano denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que, segundo a Procuradoria-Geral da República, previa assassinatos do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes. Os advogados afirmam que não há provas diretas contra o ex-presidente e que ele teria agido para evitar o caos ao pedir que caminhoneiros desbloqueassem estradas após a eleição de 2022.

Os defensores também questionam a delação de Mauro Cid, apontando supostas inconsistências e argumentando que a transição de governo ocorreu de forma pacífica.

Enquanto o STF se debruça sobre o mérito das acusações, aliados de Bolsonaro trabalham nos bastidores para viabilizar um projeto de anistia no Congresso. A proposta, no entanto, enfrenta resistência do presidente da Câmara e de parlamentares do Centrão.

Outra possibilidade ventilada por aliados é a concessão de indulto em 2027, caso um candidato alinhado a Bolsonaro vença a eleição presidencial. Além de Tarcísio, os governadores Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) já manifestaram disposição para perdoar o ex-presidente caso estejam no comando do Planalto.

Tanto o indulto quanto a anistia, contudo, poderiam ser judicializados e caberia ao próprio STF decidir sobre sua validade constitucional.