Jaguar morre aos 93 anos e relembra desejo de ter cinzas espalhadas em bares
Cartunista dizia não querer velório e brincava que até um cavalo poderia ser incinerado para 'completar as cinzas'
LUTOO cartunista Jaguar, um dos maiores nomes do humor brasileiro e fundador do jornal O Pasquim, morreu neste domingo (24), aos 93 anos. Conhecido por sua ironia ácida e irreverência, ele deixou registrada uma vontade curiosa: não queria velório tradicional e desejava que suas cinzas fossem espalhadas pelos bares que frequentava.
Em entrevista ao Estadão em 2000, aos 68 anos, Jaguar explicou a ideia com seu humor característico. “Essa história de velório tradicional é uma aporrinhação para a família e os amigos. Além do mais, não quero que ninguém me veja dentro de um caixão. Vai faltar cinza, mas, aí, eu disse para a minha mulher incinerar um pangaré para completar o bolo”, afirmou.
Os estabelecimentos que Jaguar mencionava eram pontos clássicos de sua vida boêmia. No Rio de Janeiro, citava o Bar Luiz, o Bar Brasil e o Bracarense; em São Paulo, o Pirajá e o Piratininga; além do Bar do Carlinhos, em Itaipava, na serra fluminense.
O cartunista chegou a designar quatro pessoas para a missão de espalhar as cinzas: Albino Pinheiro, Machadão, Chico PF e sua esposa, Célia Regina. Com a morte de Pinheiro antes mesmo da entrevista, ele dizia que a responsabilidade ficaria com os outros três.
Não se sabe, no entanto, se a ideia chegou a ser formalizada ou se fazia parte de mais uma de suas piadas, que misturavam irreverência e crítica social.
Essa não foi a única vez em que Jaguar tratou a morte com sarcasmo. Em 2012, aos 80 anos, após lutar contra cirrose e câncer no fígado, contou à Folha de S. Paulo que até seus médicos se surpreenderam com sua recuperação.
“O médico ficou perplexo comigo. Perguntei: Quer dizer que não vou morrer dentro de 20 dias? Ele falou: Não. Falei: Porra, mas que sacanagem! Já bolei todo o esquema, vou ter que reformular tudo de novo, voltar à vida normal, fazer planos para o futuro e o cacete, mas que merda! Risos”, disse, mantendo a verve que marcou sua trajetória.
Figura central da imprensa alternativa brasileira, Jaguar ajudou a construir a identidade crítica e bem-humorada de O Pasquim, que desafiou a censura durante a ditadura militar e se tornou símbolo da resistência cultural.
Sua morte encerra um ciclo, mas seu legado segue vivo tanto nas charges e caricaturas quanto nas histórias irreverentes que cultivou em vida — inclusive o insólito desejo de transformar a despedida em uma celebração nos bares que amava frequentar.