Pesquisa aponta baixo acesso e prática cultural entre moradores de Campo Grande
Levantamento inédito da JLeiva Cultura & Esporte, aponta que cidade tem um dos menores índices de envolvimento com cultura entre as capitais brasileiras
CAPITALUma cidade que ainda precisa se reconhecer culturalmente. Esta é a principal conclusão do levantamento Cultura nas Capitais, que será apresentado nesta quarta-feira (20) no Museu da Imagem e do Som (MIS), em Campo Grande. A pesquisa, realizada pela JLeiva Cultura & Esporte, entrevistou 600 moradores da Capital sul-mato-grossense e revela que o acesso e a prática de atividades culturais no município estão abaixo da média nacional.
“O acesso à cultura é um direito. Mas, no Brasil, isso ainda é pouco compreendido. Boa parte das políticas culturais são definidas com base em intuição e não em dados. E isso fragiliza todo o sistema”, explica o coordenador da pesquisa, João Leiva, em entrevista ao Giro Estadual de Notícias.
O estudo, feito com 19,5 mil entrevistas em todas as capitais brasileiras, se propõe a desenhar um retrato detalhado de quem consome - ou deixa de consumir -cultura no país. Os dados são cruzados com informações de gênero, raça, faixa etária, escolaridade e renda.
Campo Grande no espelho - Entre os principais achados em Campo Grande, está o dado de que a cidade possui uma das menores taxas de participação em atividades culturais entre todas as capitais brasileiras. “Os percentuais de pessoas que foram às 14 atividades pesquisadas são bastante baixos. Isso pode refletir a realidade local, mas, comparado às outras capitais, está abaixo”, aponta Leiva.
A hipótese inicial para esses números envolve fatores estruturais como escolaridade e renda. “Campo Grande tem níveis um pouco abaixo da média nacional nesses dois quesitos, e eles são os mais importantes para influenciar o acesso à cultura”, diz.
Além disso, chama atenção o fato de que a Capital sul-mato-grossense é a cidade onde menos pessoas com mais de 16 anos já participaram diretamente de alguma atividade cultural. “Estamos falando de gente que nunca teve aula de instrumento, nunca dançou, nunca fez teatro, artesanato ou qualquer outra prática. Isso tem impacto direto no consumo cultural ao longo da vida.”
Apesar dos índices baixos, a pesquisa também revela um aspecto singular e revelador sobre Campo Grande: a importância das praças e parques na vida cultural dos moradores.
“Quase 70 locais diferentes foram mencionados como espaços onde as pessoas mais realizam atividades culturais. E os parques e praças ocupam um lugar de destaque. Isso acontece porque, onde há pouca infraestrutura tradicional - como teatros e museus -, esses espaços abrem portas para eventos culturais e se tornam referência para a população”, explica João Leiva.
Esses dados podem ter peso direto no redesenho das políticas públicas culturais da cidade. “É preciso compreender os hábitos locais para fazer políticas que realmente funcionem. Se o cidadão consome cultura em praças, por que não investir mais nesses espaços?”, questiona o coordenador.
Desinteresse ou falta de oportunidade? - Outro ponto que merece destaque é o grande potencial de crescimento identificado. Mesmo com os baixos números de participação, há forte interesse por parte da população - o que aponta mais para a falta de acesso do que para a ausência de vontade.
“Perguntamos às pessoas que não participam de atividades culturais sobre o interesse delas. E encontramos um número expressivo que deu notas entre 8 e 10 em uma escala de interesse. Isso mostra que o problema não está no desinteresse, mas na dificuldade de acesso”, reforça Leiva.
Segundo os dados, há possibilidade de, por exemplo, dobrar a participação em atividades como teatro, museus e dança. Em outras áreas, como festas populares e shows de música, a projeção de crescimento pode chegar a 60%.
A pesquisa também identificou uma tendência nacional que se reflete com força em Campo Grande: o afastamento de pessoas acima dos 40 anos das atividades culturais. Segundo Leiva, essa queda é mais acentuada no Brasil do que em países desenvolvidos, onde o consumo cultural se mantém mais estável até idades mais avançadas.
“No Brasil, por volta dos 40 ou 50 anos, o acesso cultural despenca. Já em países desenvolvidos, isso só começa a acontecer após os 60 ou 70. Isso indica que estamos negligenciando um público importante. A maioria das políticas é voltada para os jovens, mas temos que olhar também para os mais velhos, especialmente depois da pandemia, que os afetou profundamente.”
Evento gratuito com certificado - A apresentação oficial dos dados completos ocorre nesta quarta (20), a partir das 13h45, no Museu da Imagem e do Som (MIS), em Campo Grande. O evento é gratuito, com emissão de certificado, e pretende reunir gestores públicos, artistas, produtores culturais e a população em geral.
“O mais importante é que esse diagnóstico ajude a cidade a se enxergar. E, a partir daí, construir uma política cultural sólida, com base em evidências e na escuta da população”, finaliza João Leiva.