EUA aceitam diálogo na OMC, mas rejeitam revisão de tarifas sob alegação de segurança nacional
Governo americano diz que tarifas contra o Brasil estão amparadas em leis de emergência e não cabem em disputas comerciais da OMC
ECONOMIAOs Estados Unidos aceitaram a solicitação do Brasil para a abertura de consultas formais na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas já sinalizaram que não estão dispostos a revisar algumas das medidas questionadas, especialmente as tarifas sobre produtos brasileiros, justificadas como ações de "segurança nacional".
A manifestação oficial do governo norte-americano foi apresentada à OMC nesta segunda-feira, 18, e responde ao pedido feito pelo Brasil no início de agosto. No documento, os EUA afirmam que estão prontos para dialogar com representantes brasileiros em uma data a ser acordada, mas deixam claro que, para Washington, certas ações não podem ser objeto de disputa no âmbito da OMC.
"Sem prejuízo dessas opiniões, os Estados Unidos aceitam o pedido do Brasil para iniciar consultas", informou a delegação americana. “Estamos prontos para conversar com autoridades de sua missão sobre uma data mutuamente conveniente para as consultas.”
O posicionamento deixa evidente que o governo dos EUA vê limites na atuação da OMC diante de medidas que considera essenciais à sua segurança interna. Trata-se de uma referência direta às tarifas elevadas, como o tarifaço de 50% sobre produtos com aço e alumínio — anunciado recentemente — e às tarifas de 10% que vêm sendo aplicadas desde abril, ambas com forte impacto sobre exportações brasileiras.
De acordo com o documento, as tarifas questionadas pelo Brasil foram tomadas com base na Lei de Emergências Nacionais e na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional dos Estados Unidos. Ambas permitem a aplicação de restrições comerciais com base em riscos à segurança nacional.
"O Presidente (Donald Trump) determinou que essas ações eram necessárias para lidar com a emergência nacional decorrente de condições refletidas em grandes e persistentes déficits anuais no comércio de bens dos EUA com parceiros comerciais, ameaçando a segurança nacional e a economia dos Estados Unidos", diz o texto.
O argumento, contudo, não encontra respaldo direto na relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. Dados oficiais apontam que o Brasil não acumula superávits significativos na balança com os americanos — o que levanta questionamentos sobre a real motivação para as tarifas.
Ainda assim, os EUA reiteram que, no âmbito da OMC, cada país tem o direito soberano de decidir quais medidas são necessárias à proteção de seus interesses estratégicos.
No mesmo documento, o governo Trump ainda acusa o Brasil de adotar práticas comerciais consideradas desleais. As críticas envolvem áreas como comércio digital, serviços de pagamento eletrônico, subsídios tarifários, proteção à propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e até medidas de combate à corrupção. O texto também menciona o desmatamento ilegal como fator de preocupação.
Essas alegações fazem parte da justificativa apresentada pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) para a abertura de uma investigação com base na Seção 301 — instrumento usado pelos EUA para apurar práticas que possam prejudicar interesses comerciais do país.
O Brasil contestou formalmente as acusações na OMC, também nesta segunda-feira. Em nota oficial, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmou que “não reconhece a legitimidade das acusações” e reforçou que “a OMC é o foro apropriado para a solução de impasses comerciais entre países-membros”.
A diplomacia brasileira sustenta que as ações questionadas são compatíveis com os compromissos assumidos pelo país na OMC e que os EUA não apresentaram provas de práticas ilegais.
Ao afirmar que as medidas tarifárias adotadas têm relação com a segurança nacional, os EUA buscam blindar suas decisões contra questionamentos jurídicos no sistema multilateral da OMC. Em outras palavras, os americanos argumentam que a OMC não tem competência para julgar ou obrigar a revisão de decisões tomadas sob o escopo da segurança interna.
“Essas ações não são suscetíveis de revisão ou de resolução por meio de solução de controvérsias na OMC”, afirmam os diplomatas dos EUA.
O mesmo raciocínio é aplicado à investigação aberta pela Seção 301. Para os EUA, o simples fato de iniciar uma apuração sobre possíveis práticas injustas não constitui, por si só, uma violação dos acordos da OMC.
“Não se trata de uma medida que afete diretamente a operação de qualquer acordo coberto pela OMC, nem de uma ação tomada dentro do território de um membro que justifique a solicitação de consultas formais”, diz o documento.
A solicitação de consultas à OMC é o primeiro passo de um possível processo de solução de controvérsias entre os dois países. Se as partes não chegarem a um entendimento na fase inicial de negociações, o Brasil poderá solicitar a formação de um painel — uma espécie de tribunal da OMC — para julgar o mérito do caso.
O problema é que, ao levantar o argumento de segurança nacional, os EUA tentam se isentar da jurisdição da OMC, algo que vem sendo contestado por diversos países e especialistas. A organização já enfrentou controvérsias semelhantes envolvendo tarifas aplicadas por Washington contra a China, a União Europeia e até o Canadá.
Caso o painel seja instaurado, o Brasil buscará provar que as tarifas americanas são, na verdade, medidas protecionistas disfarçadas, e que não se justificam sob o argumento de emergência ou segurança nacional. O desfecho, contudo, pode demorar anos e ainda esbarrar em uma instância de apelação da OMC, hoje praticamente paralisada devido a bloqueios impostos... pelos próprios Estados Unidos.
O impasse amplia as tensões comerciais entre os dois países em um momento sensível das relações bilaterais. Embora o Brasil não seja o principal alvo da guerra tarifária conduzida por Donald Trump, o país sofre efeitos colaterais de uma estratégia mais ampla, que visa proteger a indústria americana e pressionar seus parceiros comerciais.
Especialistas em comércio internacional alertam que, se mantida a postura dos EUA, o sistema de resolução de disputas da OMC pode ser ainda mais fragilizado, abrindo precedentes perigosos para outros países adotarem medidas unilaterais sob o pretexto de segurança.
No curto prazo, o Brasil deve insistir na via diplomática, tentando negociar com os Estados Unidos e, paralelamente, manter a pressão institucional no sistema multilateral da OMC. A expectativa é que as consultas ocorram ainda neste semestre.