Governo Lula já soma quase R$ 390 bilhões em gastos fora da meta fiscal
Pacote de R$ 9,5 bilhões para exportadores amplia volume de despesas não incluídas no resultado primário e reacende debate sobre credibilidade fiscal
ECONOMIAO governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminha para fechar seu terceiro mandato com pelo menos R$ 387,8 bilhões em despesas fora da meta fiscal, segundo levantamento feito a partir de dados do Tesouro Nacional. O valor foi atualizado com o anúncio, na última quinta-feira (13), de um pacote de R$ 9,5 bilhões em apoio a empresas brasileiras atingidas por tarifas dos Estados Unidos, durante a gestão de Donald Trump.
Batizado de Brasil Soberano, o pacote inclui R$ 4,5 bilhões em aportes a fundos garantidores e R$ 5 bilhões em renúncias fiscais do programa Reintegra, voltado a exportadores. As medidas não entram no cálculo da meta de resultado primário — mecanismo que mede o equilíbrio entre receitas e despesas do governo, desconsiderando o pagamento de juros da dívida pública.
Para viabilizar a nova exclusão da regra fiscal, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apresentou um projeto de lei complementar, que ainda precisa da aprovação do Congresso.
Economistas e especialistas em contas públicas têm criticado o volume de gastos fora da meta, apontando para uma recorrente fragilização da âncora fiscal do país. Segundo Tiago Sbardelotto, economista da XP e auditor licenciado do Tesouro, o governo pode até alcançar a meta formal, mas o déficit real das contas públicas é muito maior.
“Há uma multiplicação de deduções que enfraquecem a meta como indicador confiável de esforço fiscal”, afirma. Fábio Serrano, do BTG Pactual, reforça: “A operação contábil remove uma trava orçamentária e pode facilitar novas ampliações no Congresso”.
Os R$ 387,8 bilhões incluem despesas já autorizadas como:
- O pagamento de precatórios herdados do governo anterior;
- A PEC da Transição de 2023, que permitiu reajustes no Bolsa Família;
- O socorro ao Rio Grande do Sul, após as enchentes de 2023;
- E ressarcimentos por fraudes no INSS.
Serrano projeta que, até 2026, esse volume pode passar dos R$ 389,7 bilhões, considerando novas exclusões previstas, como mais R$ 55 bilhões em precatórios.
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que 87% do valor excluído da meta corresponde a ações para reverter distorções herdadas da gestão anterior, como o calote nos precatórios e o reajuste de programas sociais essenciais, como o Bolsa Família e o Farmácia Popular.
A pasta também destaca que apenas R$ 8 bilhões (2% do total) decorrem de decisões próprias do Executivo, e que parte dos valores resulta de ordens judiciais e recomendações de órgãos de controle.
Outro argumento utilizado pelo governo é o impacto do desastre climático no Rio Grande do Sul, que consumiu cerca de R$ 30 bilhões fora da meta, com respaldo da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com o pacote Brasil Soberano, o governo também retirou da meta R$ 5 bilhões em renúncia de receitas do programa Reintegra. O mecanismo gera créditos tributários a exportadores, que, ao serem pagos, aumentarão o déficit real — embora não sejam considerados na avaliação do resultado primário.
Segundo especialistas, esse tipo de contabilidade é controverso, pois os recursos são efetivamente gastos, mas não entram no radar da meta fiscal, criando uma distorção na percepção sobre o equilíbrio das contas públicas.
Para João Pedro Leme, da Tendências Consultoria, o uso da regra de exclusão está desvirtuando o conceito de meta fiscal. "O atual estado das contas públicas já não reflete mais o que está dentro da meta. É como se estivéssemos trabalhando com uma ficção", resume.
Ele pondera que, embora haja justificativa para casos como precatórios e desastres climáticos, o mesmo não pode ser dito de renúncias fiscais e outros gastos inseridos por conveniência política. "Em vez de aprimorar prioridades no orçamento, o governo tem contornado as regras", afirma.
Com o novo arcabouço fiscal aprovado em 2023, o governo pode trabalhar com uma meta flexível, que permite variações dentro de uma banda de tolerância. Em 2025, por exemplo, o objetivo é zerar o déficit, com tolerância de até R$ 31 bilhões negativos.
No entanto, especialistas apontam que o Executivo tem usado esse espaço para gastos regulares, deixando as despesas imprevisíveis para serem colocadas fora da meta, o que fragiliza a credibilidade do sistema fiscal.
Criada pela Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000, a meta de resultado primário estabelece um compromisso com o equilíbrio fiscal, sem considerar o pagamento de juros da dívida. A proposta busca garantir que o governo gaste menos do que arrecada, ou ao menos que limite o crescimento da dívida pública.
Hoje, o modelo permite ao governo um piso de tolerância, mas essa margem deve ser usada com responsabilidade, alertam os especialistas.