'Miscelânea, Nos Passos de Bernardo Guimarães' resgata a obra e a crítica social do autor mineiro
Livro inédito organiza textos pouco conhecidos de Bernardo Guimarães, debatendo temas como escravidão, identidade cultural e crítica social
INÉDITOBernardo Guimarães, um dos maiores nomes da literatura brasileira do século 19, ganha uma nova releitura e reconhecimento 200 anos após seu nascimento com o lançamento do livro Miscelânea, Nos Passos de Bernardo Guimarães, organizado pela pesquisadora Francelina Drummond. A obra reúne textos inéditos ou pouco conhecidos do autor, muitos publicados originalmente em jornais no século 19 e que ainda não haviam sido editados em livro. A estreia do livro aconteceu na Semana Bernardo Guimarães, em Ouro Preto, Minas Gerais, no dia 13 de agosto.
A ideia de lançar Miscelânea surgiu da longa pesquisa de Drummond sobre a imprensa de Ouro Preto no século 19, quando ela descobriu uma série de folhetins literários, crônicas políticas e poemas de Guimarães que ainda não faziam parte da sua bibliografia oficial. "Foi um trabalho imenso. Localizei 250 jornais na cidade, em um período de 70 anos", explicou Francelina em entrevista ao Estadão.
A pesquisa trouxe à tona, por exemplo, A Escrava Isaura, que foi publicada em folhetins antes de se tornar livro, mas sua publicação foi interrompida sem explicações. O romance estreou em O Globo em 1874, mas foi cortado após o terceiro capítulo, ocupando seu espaço com A Mão e a Luva, de Machado de Assis. Segundo Drummond, a razão para o corte foi uma campanha contra a obra, iniciada pelo jornal O Apóstolo e dirigida pelo monsenhor José Gonçalves Ferreira.
O novo livro destaca a diversidade de gêneros explorados por Bernardo Guimarães, que escreveu não apenas romances, mas também poemas, reflexões e crônicas políticas. Drummond destaca a ousadia do autor, que criticava figuras literárias da época, como Gonçalves Dias, e propunha uma análise mais científica da literatura. Essa atitude crítica está muito presente na seleção dos textos de Miscelânea, que busca atrair tanto o público em geral quanto estudantes e pesquisadores especializados.
Entre os temas mais relevantes resgatados no livro, estão a crítica à escravidão, à dependência cultural do Brasil e as questões indígenas. "Ele inaugura em 1866 o romance sertanejo, marcado pela vida no interior do país e pela figura do sertanista, que se torna uma parte importante da narrativa literária brasileira", comenta a organizadora.
Além da crítica social, Miscelânea também revela o lado experimental de Bernardo Guimarães como escritor, com poesia grotesca e humor nonsense. Alguns poemas inéditos ou pouco conhecidos, como A Orgia dos Duendes, O Nariz Perante os Poetas e A Origem do Mênstruo, mostram uma dimensão pouco explorada de sua obra, com influências europeias, como a de Baudelaire, e também de outros autores brasileiros, como Cruz e Sousa e Machado de Assis.
Esse lado experimental de Guimarães contribui para uma visão mais abrangente de sua obra, que vai além da crítica social e do romance sertanejo. O livro oferece uma visão mais introspectiva, irônica e crítica, que se reflete também nas ilustrações feitas pelo Atelier Dois Capelistas, responsáveis pelas imagens que acompanham o livro.
As ilustrações de Leandro Vilar e Aurélio H. dos Santos são feitas em nanquim sobre papel e capturam a melancolia e o espírito irônico de Guimarães. O trabalho artístico contribui para uma compreensão mais profunda da obra do escritor, ampliando o projeto além do livro e se estendendo à criação da exposição "Nos Passos de Bernardo Guimarães", que mapeia 13 locais históricos ligados ao autor em Ouro Preto e na região.
Essas ilustrações, além de complementarem a obra literária, ajudam a recontextualizar a cidade de Ouro Preto, proporcionando aos leitores e visitantes uma nova perspectiva sobre o legado de Bernardo Guimarães e sua contribuição à literatura brasileira.
Francelina Drummond, ao organizar Miscelânea, não apenas faz uma homenagem a Bernardo Guimarães, mas também convida à releitura de sua obra, ressaltando sua relevância para a literatura contemporânea e para a história nacional. A obra propõe um olhar atento sobre as memórias culturais de Minas Gerais e Ouro Preto, reconectando os leitores com uma herança literária que ainda fala sobre temas como a escravidão, a identidade cultural e a luta por justiça social.