Redação | 14 de agosto de 2025 - 07h50

Pacote de exportações fora da meta fiscal preocupa especialistas e levanta alerta de "contabilidade

Governo propõe excluir R$ 9,5 bilhões do plano fiscal para viabilizar socorro a empresas afetadas por tarifaço dos EUA; mercado vê risco à credibilidade do arcabouço

PACOTE DE SOCORRO
Lula ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, durante anúncio de pacote para socorrer empresas atingidas por tarifaço dos Estados Unidos - (Foto: Wilton Junior/Estadão)

O pacote de medidas anunciado pelo governo federal para apoiar empresas brasileiras afetadas pelo tarifaço dos Estados Unidos provocou reação imediata no mercado. Isso porque R$ 9,5 bilhões dos R$ 39,5 bilhões previstos no plano ficarão fora da meta fiscal de 2025 e 2026, o que especialistas classificam como uma manobra arriscada para as contas públicas e um retorno à chamada “contabilidade criativa” — prática criticada por comprometer a transparência fiscal.

Apresentado sob o nome “Brasil Soberano”, o pacote foi lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (13), ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin. A proposta prevê linha de crédito de R$ 30 bilhões via Fundo de Garantia à Exportação (FGE), além de aportes em fundos garantidores e ampliação do Reintegra, programa que gera créditos tributários a exportadores.

A questão central não é o socorro em si, mas a exclusão dos R$ 9,5 bilhões da regra fiscal, o que gerou críticas de economistas e ex-integrantes da equipe econômica.

O governo quer que três pontos fiquem fora da meta de resultado primário, ou seja, não sejam considerados no cálculo que mede o equilíbrio entre receitas e despesas:

Embora a maior parte do crédito (R$ 30 bilhões do FGE) seja proveniente de superávit financeiro — e, portanto, não impacte diretamente a meta — os R$ 9,5 bilhões que serão liberados por crédito extraordinário geram efeitos reais nas contas públicas.

Segundo o governo, os valores são estratégicos e devem ser tratados como exceção, já que respondem a um evento externo — no caso, as sanções comerciais dos EUA. A proposta será enviada ao Congresso em forma de projeto de lei complementar, solicitando a exclusão dos valores da apuração fiscal.

Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, o correto seria manter os valores dentro da meta e usar a banda de tolerância do arcabouço fiscal, que permite um déficit de até 0,25% do PIB. “Excluir os gastos da meta fragiliza a credibilidade do controle fiscal. É melhor cortar em outras áreas do que tentar contornar a regra”, afirma.

O ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, também criticou o caminho adotado pelo governo. “O Parlamento já havia proibido esse tipo de exclusão. Agora, com o novo projeto, o governo tenta reverter a decisão via lei complementar”, pontuou.

A principal crítica gira em torno da falta de transparência na contabilidade pública. Economistas alertam que tratar renúncia fiscal como se fosse arrecadação efetiva distorce a realidade fiscal do país, prática que ganhou o apelido de “contabilidade criativa” em gestões passadas.

A ampliação do Reintegra preocupa ainda mais. O programa gera créditos para empresas exportadoras, que podem usá-los para abater outros impostos ou solicitar ressarcimento em dinheiro. Na prática, isso representa menor arrecadação ou aumento da despesa pública, embora os créditos sejam tratados como receita primária.

“É um valor estimado, uma variável não observável. Isso já foi usado no passado para maquiar os números fiscais”, alerta Camillo Bassi, do Ipea.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a afirmar que os valores estariam dentro da meta, mas a inclusão do Reintegra mudou a equação.

“Incluímos a parte tributária do Reintegra que inicialmente não estava sendo considerada. Por isso, agora a proposta prevê excluir esse impacto da meta”, explicou o secretário-executivo Dario Durigan.

Apesar das críticas, parte do mercado entende que o impacto fiscal é relativamente pequeno em termos absolutos. O economista Ítalo Franca, do Santander, estima que a meta fiscal de 2025 ainda é atingível, mas o governo dependerá de receitas extraordinárias, como os leilões de petróleo.

“O problema não é o valor, mas a mensagem. É preciso conter o avanço da dívida e não fragilizar regras recém-aprovadas”, avaliou.

Já Renan Martins, da consultoria 4intelligence, vê o movimento com cautela. “Mesmo que não altere profundamente os números, reforça um padrão que pode se repetir. É um gasto extraordinário que começa a se tornar recorrente”, resume.