Em 1908, Henry Ford colocou nas ruas o Modelo T e mudou para sempre a forma como o mundo se movia. Mais de um século depois, a própria Ford quer repetir o truque — mas, desta vez, com baterias no lugar do tanque de combustível e um novo tipo de linha de produção.

O anúncio veio na última segunda-feira (11 de agosto), em Louisville, Kentucky. A montadora prometeu lançar, em 2027, uma família global de veículos elétricos acessíveis. O primeiro será uma picape média de quatro portas, estimada em US$ 30 mil (cerca de R$ 165 mil). A promessa não para no produto: junto com ele, virá um novo jeito de fabricar carros, um investimento de US$ 5 bilhões e quase 4 mil empregos nos Estados Unidos.

O recado é claro: enfrentar a pressão das fabricantes chinesas, como a BYD, que já conseguem produzir elétricos a custos muito mais baixos. Para isso, a Ford montou um time independente na Califórnia, com ex-funcionários da Tesla e da Rivian, operando em regime de “skunkworks” — aquele formato de equipe pequena, veloz e quase secreta, a ponto de o próprio presidente mundial da companhia, Jim Farley, não conseguir entrar no prédio no início do projeto.

O coração da ideia é a nova Plataforma Universal de EVs, um retorno ao slogan “O Carro Universal” e até ao logotipo triangular usado antes do oval azul. A arquitetura reduz peças, fixadores e estações de trabalho; encurta chicotes elétricos; e usa baterias prismáticas de lítio-ferro-fosfato como parte da estrutura, melhorando dirigibilidade e espaço interno. Na fábrica, a linha reta dá lugar a uma “árvore”: módulos dianteiro, traseiro e de bateria com interior pré-instalado são feitos em paralelo e unidos no final.

Doug Field, diretor de EVs e design, diz que a inspiração vem do Modelo T. A nova picape elétrica quer ser simples e robusta, mas também rápida — com aceleração de 0 a 100 km/h em menos de seis segundos — e mais espaçosa que um Toyota RAV4, com direito a caçamba e frunk (o porta-malas dianteiro).

Enquanto isso, as atuais F-150 Lightning, E-Transit e Mustang Mach-E vendem menos do que a Ford gostaria. O lançamento da nova geração de alguns modelos foi adiado e as metas de eletrificação, revistas. A aposta, agora, é que a picape — que pode ressuscitar o nome Ranchero — seja o próximo passo para repetir, com elétricos, o impacto que o Modelo T teve no início do século XX.