07 de agosto de 2025 - 12h01

Fiocruz e EMS firmam parceria para produção nacional de canetas emagrecedoras

Produção reforça capacidade da indústria nacional e mira abastecimento do SUS

SAÚDE
Estudos têm avaliado a produção e distribuição de canetas emagrecedoras totalmente brasileiras - (Foto: alones/Adobe Stock)

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica brasileira EMS firmaram dois acordos estratégicos para iniciar, no Brasil, a produção nacional de medicamentos à base de liraglutida e semaglutida, substâncias que compõem os chamados agonistas do GLP-1, amplamente conhecidos como “canetas emagrecedoras”. Os medicamentos são utilizados no tratamento do diabetes tipo 2 e, mais recentemente, ganharam popularidade para a perda de peso.

Em nota conjunta, divulgada nesta semana, as instituições anunciaram que a parceria inclui a transferência de tecnologia tanto para a síntese do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), quanto para a formulação do produto final. O processo será conduzido em etapas, com início na fábrica da EMS em Hortolândia (SP), e posterior transferência integral da tecnologia para Farmanguinhos, unidade técnico-científica da Fiocruz, no Rio de Janeiro.

Os medicamentos emagrecedores à base de agonistas do GLP-1 são aplicados por via subcutânea e têm ganhado notoriedade por sua alta eficácia no controle da glicemia e na redução de peso. A própria nota da Fiocruz e da EMS destacou o caráter inovador desses fármacos.

“As injeções subcutâneas oferecem uma abordagem de alta eficácia e são consideradas inovadoras para o tratamento de diabetes e obesidade, marcando mais um avanço significativo da indústria nacional no desenvolvimento de soluções de alta complexidade”, diz o comunicado.

Para a EMS, a iniciativa representa um “marco histórico” no avanço da indústria farmacêutica nacional, ao permitir que o país passe a produzir localmente medicamentos altamente sofisticados, hoje amplamente importados.

Já a Fiocruz enxerga a parceria como parte de uma estratégia institucional para ampliar sua capacidade de atuação na produção de medicamentos injetáveis, um segmento ainda pouco explorado dentro do portfólio da instituição. A expectativa é que a iniciativa fortaleça o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) e reduza a dependência do Brasil em relação ao mercado internacional.

“Unir forças com parceiros públicos e privados permite somar excelência e inovação e ampliar nosso portfólio de produção”, afirmou a fundação.

O avanço tecnológico e produtivo ocorre em meio a um debate nacional sobre o uso indiscriminado das canetas emagrecedoras. Desde junho, farmácias e drogarias de todo o país passaram a reter receitas médicas para a compra desses medicamentos, após decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Além da liraglutida e da semaglutida, a categoria inclui outras substâncias como dulaglutida, exenatida, tirzepatida e lixisenatida. A nova regra, aprovada em abril e em vigor desde junho, responde a um aumento expressivo de eventos adversos associados ao uso indevido desses produtos.

Em nota, a Anvisa afirmou que o objetivo é “proteger a saúde da população brasileira, especialmente porque foi observado um número elevado de eventos adversos relacionados ao uso desses medicamentos fora das indicações aprovadas”.

A decisão de endurecer o controle foi bem recebida por entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Em comunicado conjunto, essas entidades alertaram para o acesso facilitado e irregular às canetas emagrecedoras, mesmo com exigência de prescrição médica.

“A venda de agonistas de GLP-1 sem receita médica, apesar de irregular, é frequente. A legislação vigente exige receita médica para a dispensação destes medicamentos, porém, não a retenção da mesma pelas farmácias. Essa lacuna facilita o acesso indiscriminado e a automedicação, expondo indivíduos a riscos desnecessários”, destaca o texto.

Apesar do avanço na produção nacional, a distribuição das canetas emagrecedoras no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda é tema de discussão. Em junho, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) abriu consulta pública para avaliar a possível inclusão da semaglutida no rol de medicamentos oferecidos pelo sistema público.

A iniciativa partiu da Novo Nordisk, fabricante do Wegovy, que solicitou à comissão a incorporação do medicamento. No entanto, a Conitec recomendou, em parecer técnico divulgado em maio, a não incorporação da semaglutida no SUS, argumentando que os custos seriam muito altos: até R$ 7 bilhões em cinco anos.

A consulta pública foi encerrada no dia 30 de junho e, agora, o órgão avalia as contribuições recebidas da sociedade para emitir uma decisão final.

A possibilidade de fabricação local da liraglutida e da semaglutida pela Fiocruz e EMS pode mudar o cenário no médio e longo prazo. Com a produção de IFA nacional, os custos associados à importação e à dependência de fornecedores estrangeiros tendem a diminuir, o que pode reabrir o debate sobre a viabilidade da incorporação dos medicamentos ao SUS.

Além disso, o domínio da tecnologia de produção de medicamentos injetáveis por Farmanguinhos representa uma diversificação estratégica da capacidade fabril pública, que até então se concentrava majoritariamente em medicamentos orais e sólidos.

Os acordos entre Fiocruz e EMS são vistos como um passo importante na consolidação de um modelo de soberania tecnológica e autonomia sanitária. A medida também se alinha às diretrizes da política nacional de fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, impulsionado pelo Ministério da Saúde nos últimos anos.

Entretanto, desafios permanecem: a estruturação da linha de produção em Farmanguinhos, a capacitação de pessoal para manipulação de medicamentos injetáveis e a obtenção de certificações regulatórias nacionais e internacionais.

Ainda assim, especialistas da área veem na iniciativa uma oportunidade concreta de avançar na democratização do acesso a medicamentos de alto impacto clínico e econômico.