Venda de íris segue proibida no Brasil: ANPD rejeita nova proposta da Worldcoin
Mesmo com alterações no modelo de negócio, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados manteve a proibição da troca de dados biométricos por criptomoedas no projeto liderado por empresa de Sam Altman
NACIONALA Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) rejeitou, no último dia 18 de julho, uma nova tentativa da empresa Tools for Humanity — liderada por Sam Altman, também CEO da OpenAI — de retomar a coleta de dados biométricos de brasileiros em troca de recompensas em criptomoedas. A decisão foi divulgada nesta terça-feira, 5 de agosto.
Com isso, a prática apelidada de “venda de íris” segue proibida no país.
Entenda o caso
Em janeiro de 2025, a ANPD já havia impedido a empresa de oferecer tokens digitais (Worldcoin/WLD), que podiam ser trocados por dinheiro, a usuários que aceitassem escanear a íris e fornecer outros dados biométricos. A prática chegou a render entre R$ 300 e R$ 700 por pessoa, dependendo da cotação do token, e atraiu principalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social — como ocorreu em São Paulo, primeira cidade a receber o projeto.
Segundo a Autoridade, o incentivo financeiro comprometia o livre consentimento dos usuários e criava um desequilíbrio na relação entre empresa e cidadão. Por isso, determinou a suspensão da operação da empresa no Brasil.
Nova proposta: recompensa indireta por indicação
Para tentar voltar ao mercado brasileiro, a empresa apresentou um novo modelo: não haveria pagamento direto ao usuário que fornecesse seus dados. Em vez disso, ele poderia indicar outras pessoas para o cadastro, e, se essas pessoas também escaneassem a íris, o “indicador” receberia recompensas em tokens.
Na prática, o incentivo financeiro seria deslocado para um segundo momento e vinculado à ação de terceiros.
Mas a ANPD entendeu que, mesmo assim, a lógica permanecia a mesma: os dados biométricos continuavam sendo trocados por dinheiro, ainda que de forma indireta. A Autoridade considerou que o novo modelo continuava explorando a coleta de informações sensíveis em troca de benefícios financeiros.
“Ainda que se observe, na nova proposta, um aparente distanciamento entre a coleta de dados pessoais e a concessão da contraprestação, tal separação não é suficiente para afastar os riscos já identificados”, apontou o diretor da ANPD, Arthur Pereira Sabbat.
A decisão reforça que, nesse modelo, o dado biométrico não é apenas uma etapa de verificação, mas o próprio "produto" oferecido em troca de valor econômico, mesmo que mediado por um programa de indicação.
Reações
A Worldcoin (marca do projeto da Tools for Humanity) disse, em nota, que discorda da interpretação da ANPD e pretende recorrer na Justiça. Segundo a empresa, programas de indicação são comuns em setores como financeiro e telecomunicações, e a proposta cumpre as exigências da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
Apesar disso, organizações como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) apoiaram a decisão da ANPD. O Idec considera que o novo modelo segue explorando o contexto de vulnerabilidade de parte dos usuários, mantendo o mesmo problema identificado na suspensão inicial.
“A proposta ainda compromete a autonomia dos titulares, especialmente em contextos de vulnerabilidade socioeconômica”, disse a entidade.
Como funcionava o sistema da Worldcoin?
O projeto World ID exigia escaneamento da íris e reconhecimento facial para gerar uma identidade digital única, que poderia comprovar que o usuário é um ser humano, e não uma inteligência artificial. Em troca, o usuário recebia tokens de criptomoeda que podiam ser convertidos em reais por meio de aplicativo próprio da empresa.
O objetivo declarado era criar um sistema de “prova de humanidade” em meio à crescente presença de sistemas de IA. Mas a iniciativa levantou sérias preocupações sobre consentimento livre, privacidade e riscos à proteção de dados pessoais.
A empresa segue impedida de operar o modelo de negócio no Brasil.