Autores indígenas ganham destaque na Flip 2025 com reflexões sobre resistência
Escritoras da Amazônia, como Sony Ferseck e Francis Mary, participaram da Flip e ressaltaram a importância da literatura como ferramenta de transformação social e cultural
LITERATURADurante a 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), autoras indígenas e da Amazônia marcaram presença, ganhando destaque por meio de mesas e debates sobre resistência, memória e a luta pela visibilidade literária. Entre elas, a escritora indígena Sony Ferseck, fundadora da Wei Editora em Roraima, participou de uma mesa sobre pluralidade editorial. Ela destacou a importância da literatura para a população indígena e as dificuldades que enfrenta no estado para dar visibilidade aos autores locais.
“Dizer para um ancião indígena que está lá no interior de Roraima ‘o senhor pode fazer um livro’ é muito potente. Isso é muito poderoso e faz com que realmente a literatura seja para todos,” afirmou Sony, que também comentou sobre o processo de produção literária em sua região, marcada pela escassez de recursos e a falta de gráficas. “Nosso país tem dimensões continentais, isso acaba encarecendo [a produção] e provocando muitas faltas ainda em Roraima. Para vocês terem uma ideia, a gente só tem duas gráficas no estado inteiro,” explicou.
Sony, indígena do povo Macuxi e semifinalista do 65º Prêmio Jabuti com o livro Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), relatou como a Wei Editora começou a publicar livros a partir da oralidade dos anciãos, cujas histórias não eram transcritas, mas sim contadas e transcritas por outros. “Eles eram os mais velhos da comunidade, não falavam português como primeira língua e também não escreviam as histórias em computadores, porque elas eram fruto da tradição oral. Então são livros que não são escritos, são transcritos,” comentou.
A editora independente, que trabalha com impressão sob demanda, tem permitido que as histórias da região se espalhem, principalmente com a produção limitada de livros. “A gente vai fazendo reimpressões bem pouquinhas. Geralmente, vem o primeiro cento [100 unidades], depois financia o segundo e assim por diante, para manter [a produção],” completou. Sony ressaltou a importância da arte e da literatura para a transformação de vidas, dizendo que acredita no poder da arte para quebrar ciclos de violência e silenciamento. “Eu acredito no poder da arte. Tocar corações, promover mudanças, quebrar ciclos de violência e de silenciamento. É o reencantamento do mundo, uma forma de dizer que nós ‘somos possíveis’ em todos os lugares que a gente queira e quando queira,” finalizou.
Outras autoras da Amazônia também deram contribuições importantes à programação. A poeta acreana Francis Mary, por exemplo, abordou em sua participação temas como defesa da floresta, democracia e os povos da Amazônia. “A arte é uma ferramenta de memória e de denúncia,” disse Francis, que recorre à poesia para retratar a luta de Chico Mendes e o cotidiano dos povos da floresta.
No campo das artes visuais e da literatura, Paty Wolff, nascida em Cacoal (RO) e radicada em Cuiabá (MT), discutiu como a ilustração pode se tornar uma linguagem narrativa, abordando a relação entre artes visuais e literatura.
A programação também contou com a participação da multiartista Aliã Wamiri Guajajara, que participou da palestra “Tecnologias do encantamento: entre o artesanal e o digital.” Aliã, escritora e curadora, destacou a importância da Flip para a afirmação da literatura indígena. “Para mim a Flip é um lugar de afirmação importante e podemos mostrar que a literatura indígena existe, resiste e encanta. Espero que possamos ecoar de maneira ainda mais intensa nossas memórias vivas,” afirmou.