COP30 enfrenta risco de boicote internacional por causa da alta no preço da hospedagem em Belém
Países africanos e outras nações pressionam o Brasil a resolver a crise ou mudar o local do evento; governo aposta em soluções emergenciais
COP 30A Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), prevista para novembro em Belém (PA), enfrenta uma crescente crise diplomática com o risco real de boicote por parte de países em desenvolvimento. O motivo é o custo abusivo das hospedagens, que chegou a ser até dez vezes superior ao valor normalmente praticado na capital paraense. A situação tem provocado pressão internacional para que o governo brasileiro reveja a realização do evento na cidade amazônica.
"Se na maioria das cidades onde as COPs aconteceram os hotéis passaram a pedir o dobro ou triplo do valor, no caso de Belém estão pedindo mais de 10 vezes", afirmou o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30 em Belém, durante entrevista concedida nesta quinta-feira, 31. Segundo ele, o governo está ciente do problema e em busca de soluções que convençam o setor hoteleiro a reduzir os preços.
As críticas mais contundentes vieram de nações africanas, especialmente por meio do diplomata tanzaniano Richard Muyungi, presidente do Grupo Africano de Negociadores, que representa 54 países do continente. Em entrevista à agência Reuters, Muyungi afirmou que há um sentimento de “revolta” entre os países menos desenvolvidos e que o custo da viagem à COP30 pode inviabilizar a presença de suas delegações.
“O Brasil tem muitas opções em termos de ter uma COP melhor, uma boa COP. Por isso, estamos pressionando para que o Brasil forneça respostas melhores, em vez de nos dizer para limitar nossa delegação”, criticou Muyungi.
Segundo ele, uma nova reunião internacional está marcada para o próximo dia 11 de agosto, com o objetivo específico de discutir o tema da hospedagem. A reunião anterior, convocada em caráter emergencial, já apontou a insatisfação generalizada entre os representantes dos países mais pobres.
Relatos obtidos mostram que os preços de acomodações em Belém durante o período da COP30 chegaram a patamares considerados “extorsivos”. Em alguns casos, o valor total de locação para uma unidade durante todo o evento chega a R$ 2,2 milhões. Em cidades vizinhas, como Ananindeua, esse número beira os R$ 600 mil.
O problema se estende também às plataformas de hospedagem por temporada, como Airbnb, e aos contratos com hotéis e pousadas locais. Com a alta especulativa, a dificuldade de acomodar não apenas autoridades, mas também representantes da sociedade civil, imprensa e técnicos de organizações ambientais internacionais, tornou-se um ponto crítico.
"Há sensação, literalmente, de revolta dos países por essa insensibilidade", disse Muyungi. "Sobretudo por parte dos países de menor desenvolvimento, que estão dizendo que não poderão vir à COP por causa dos preços extorsivos e abusivos", completou.
A escolha de Belém como sede da COP30 teve um forte apelo simbólico: pela primeira vez, uma conferência do clima da ONU será realizada no coração da Amazônia. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende que levar o evento para a região é um passo essencial para reafirmar o compromisso com o combate ao desmatamento e o protagonismo da floresta nos debates ambientais globais.
No entanto, já nos primeiros meses de 2024, alertas diplomáticos partiram de países como China, Alemanha, Reino Unido e Noruega, que manifestaram preocupação com a infraestrutura da cidade para receber um evento da magnitude da COP. Telegramas trocados entre o Itamaraty e diversas embaixadas no exterior apontam que a questão da hospedagem e da mobilidade urbana foram destacados como pontos frágeis.
Diante da pressão internacional, o governo brasileiro tenta mobilizar esforços para contornar a crise. Entre as alternativas já colocadas na mesa estão:
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Aluguel de imóveis via plataformas como Airbnb, com acordos de preços com anfitriões;
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Utilização de motéis adaptados para receber delegações;
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Reforma de escolas públicas e conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida para uso temporário;
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Abertura de vilas militares e albergues;
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Instalação de hospedagens flutuantes em navios, com prioridade para países em desenvolvimento.
Segundo o embaixador André Corrêa do Lago, a utilização de navios ancorados na Baía do Guajará será uma das soluções mais práticas e imediatas. “A ideia é garantir que nenhuma delegação fique de fora por falta de condições financeiras”, declarou.
A organização também estuda formas de regular o mercado local de hospedagem durante o evento, evitando abusos. Uma proposta em análise seria a criação de uma faixa de preço máxima para hospedagens registradas junto ao comitê organizador da COP30. Entretanto, a medida esbarra na liberdade de mercado e ainda está sob avaliação jurídica.
A reportagem procurou a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) para comentar a alta dos preços e os esforços para controlar os valores, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. Em Belém, o setor hoteleiro não tem uma representação unificada para negociação direta com o governo federal, o que dificulta a coordenação de políticas emergenciais.
Fontes do mercado turístico local admitem que houve aumento significativo na procura por acomodações desde que a cidade foi anunciada como sede da COP, o que incentivou a especulação. “É uma oportunidade única para o setor lucrar, mas precisamos equilibrar isso com a imagem internacional do país”, disse, sob anonimato, um empresário do ramo.
O risco de fracasso na logística da COP30 representa um possível desgaste político para o governo Lula, que tem apostado no evento como vitrine internacional de sua política ambiental. Se a crise não for contida, cresce o risco de que a ausência de delegações importantes comprometa o prestígio do Brasil como anfitrião.
Além disso, a insatisfação pode minar a credibilidade da proposta de sediar futuros eventos internacionais na Amazônia, uma bandeira que vem sendo defendida pelo Planalto desde a eleição de Lula em 2022.
A reunião de 11 de agosto será decisiva. Caso não haja avanço nas medidas para reduzir os preços e garantir acomodação acessível, cresce a possibilidade de que grupos relevantes se retirem do evento ou reduzam drasticamente suas delegações. Um movimento nesse sentido teria repercussão direta na legitimidade e na eficácia das negociações da COP30.