'Guerra dos elétricos': governo antecipa alta de imposto para acalmar disputa entre BYD e montadoras
Decisão do governo tenta equilibrar pressão da Anfavea e avanço da chinesa BYD, antecipando alta tarifária e liberando cotas com imposto zero
ECONOMIAEm meio a uma disputa pública cada vez mais acirrada entre a chinesa BYD e as montadoras tradicionais instaladas no Brasil, o governo federal decidiu intervir para tentar amenizar o conflito e preservar os investimentos no setor automotivo. Em reunião realizada na quarta-feira, 30 de julho, o Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex) anunciou a antecipação em um ano e meio do cronograma de elevação do Imposto de Importação para veículos elétricos e híbridos importados.
A nova regra entra em vigor a partir de janeiro de 2027, quando os veículos, montados ou desmontados, passarão a recolher a alíquota máxima de 35%. Antes, essa cobrança só passaria a valer em julho de 2028.
O movimento atende parcialmente ao pleito da Anfavea, associação que representa as montadoras tradicionais como Volkswagen, Toyota, Stellantis e General Motors, que pressionaram o governo contra o que consideram incentivos excessivos à entrada de veículos chineses no mercado brasileiro.
Para contrabalançar a medida e evitar a sensação de retaliação direta à BYD — que já iniciou operações industriais em Camaçari (BA) —, o Gecex decidiu criar cotas adicionais de importação com alíquota zero para veículos desmontados (CKD) e semidesmontados (SKD), com validade de seis meses. O limite total dessas cotas será de até US$ 463 milhões.
Segundo nota do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), a antecipação do cronograma “busca adequar a política tarifária aos investimentos esperados para os próximos anos no setor automotivo do País, trazendo novas tecnologias para o consumidor e cada vez mais adensamento à cadeia produtiva nacional”.
O embate entre as gigantes do setor teve um episódio decisivo no dia 15 de julho, quando os presidentes da Volkswagen, Toyota, Stellantis (que controla Fiat, Peugeot e Jeep) e General Motors (dona da Chevrolet) enviaram uma carta conjunta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O documento alertava que o Brasil poderia enfrentar “um legado de desemprego” caso o governo adotasse uma política de isenções à indústria automobilística chinesa, especialmente à BYD.
Na carta, as montadoras lembraram que o setor automotivo responde por 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, por 20% do PIB da indústria de transformação, gera 1,3 milhão de empregos e movimenta um faturamento anual de US$ 74,7 bilhões.
As empresas também destacaram planos de investir R$ 180 bilhões no país nos próximos anos, sendo R$ 130 bilhões voltados ao desenvolvimento e produção de novos veículos e R$ 50 bilhões para a cadeia de autopeças.
Em resposta direta à carta da Anfavea, a BYD publicou um comunicado com o provocativo título "Por que a BYD incomoda tanto?". A empresa defendeu sua atuação no Brasil, alegando que está trazendo “carros tecnológicos, sustentáveis e mais acessíveis” ao consumidor. Em tom contundente, a montadora chinesa afirmou estar sendo “atacada por concorrentes obsoletos”.
A BYD classificou as montadoras tradicionais como “dinossauros” que estariam “implorando” ao presidente Lula para barrar a inovação e manter o mercado sob protecionismo. A companhia ainda criticou diretamente o modelo industrial dominante no país, sugerindo que as grandes fabricantes estariam atrasadas diante da transformação tecnológica global.
O estopim da crise começou em fevereiro, quando a BYD solicitou ao governo federal a redução do Imposto de Importação para automóveis desmontados e semidesmontados. A empresa pedia que a alíquota fosse reduzida de 20% para 10% no caso dos híbridos e de 18% para 5% nos elétricos. A proposta foi vista pelas rivais como uma tentativa de ampliar ainda mais a competitividade da marca chinesa em um mercado já pressionado por preços e mudanças tecnológicas.
O presidente da Anfavea, Igor Calvet, afirmou em entrevista à Coluna do Estadão que a indústria automotiva nacional poderia rever seus planos de investimento no Brasil caso o governo acatasse o pacote de incentivos proposto pela BYD.
A decisão do Gecex-Camex busca, em última análise, um ponto de equilíbrio: ao antecipar o cronograma de aumento tarifário, responde à pressão das montadoras tradicionais e dá previsibilidade para o setor; ao mesmo tempo, permite que empresas como a BYD continuem atuando com um mínimo de estímulo à sua expansão industrial no país, desde que dentro dos limites definidos pelas novas cotas de importação.
A medida também é estratégica para o governo, que tenta consolidar o Brasil como um polo relevante na transição energética e tecnológica da indústria automotiva mundial. As cotas de importação com alíquota zero para CKDs e SKDs podem permitir a nacionalização gradual da produção e a ampliação da cadeia produtiva de forma mais equilibrada entre novos entrantes e empresas já consolidadas.