Da Redação | 21 de julho de 2025 - 20h20

Checklist que salva: como uma lista simples poderia ter evitado a tragédia em Boituva

A queda de um avião com paraquedistas em 2022 mostrou como falhas no cuidado com a aeronave e no uso de equipamentos causaram mortes

ACIDENTE AÉREO
Avião usado para paraquedismo cai em área rural de Boituva (SP) logo após decolar; acidente deixou dois mortos e feridos. - (Foto: Divulgação)

No dia 11 de maio de 2022, um avião com 15 paraquedistas caiu logo depois da decolagem, em Boituva, no interior de São Paulo. O acidente aconteceu por volta das 14h, em uma estrada de terra perto do Centro Nacional de Paraquedismo, e deixou dois mortos. Outras 11 pessoas ficaram feridas e foram levadas para atendimento médico. O avião era da empresa Skydive4Fun e, segundo relatos iniciais, teria encostado em uma torre de energia antes de cair num pasto e virar de cabeça para baixo.

Mais de três anos depois, nesta segunda-feira (21), o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) divulgou o relatório final sobre o caso. O documento mostra que, mesmo sem confirmação de que a torre tenha causado a queda, vários erros aconteceram antes e durante o voo — e que muitos desses erros poderiam ter sido evitados com mais cuidado e atenção.

O que deu errado no voo - O avião decolou com um piloto e 15 pessoas a bordo, todas preparadas para saltar de paraquedas. Pouco depois da decolagem, o motor perdeu força quando o avião estava a cerca de 300 metros de altura. O piloto tentou pousar em uma área rural, mas a aeronave bateu em uma parte elevada do terreno, virou e parou tombada.

Avião perdeu força no motor quando estava a cerca de 270 metros de altura; piloto tentou pouso forçado, mas aeronave capotou. - (Foto: Divulgação)

Segundo o CENIPA, o motor mostrava sinais de desgaste e sujeira, o que indica que ele estava trabalhando com uma mistura de combustível e ar desregulada. A temperatura do motor também passou do limite seguro, o que pode ter derretido partes internas e provocado a perda de potência.

Outro problema grave foi o uso incorreto de uma alavanca chamada manete de emergência. Essa alavanca só deve ser usada em casos sérios, quando o controle automático do combustível para de funcionar. Mas o relatório mostra que muitos pilotos usavam essa alavanca durante treinamentos — uma prática perigosa que pode ter danificado o motor com o tempo.

Antes da queda, prática comum era usar o manete de emergência em treinamentos, o que pode ter contribuído para falha no motor. - (Foto: Divulgação)

Erros antes mesmo da decolagem - A investigação apontou que os cintos de segurança usados pelos passageiros — que eram paraquedistas — estavam presos apenas de um lado e com peças enferrujadas. Durante o impacto, muitos cintos se romperam, jogando os ocupantes para frente. Um dos passageiros chegou a ser arremessado para fora do avião pelo vidro da frente.

O avião havia sido adaptado para transportar paraquedistas, com bancos, corrimãos e outros itens. Mas essas mudanças não estavam registradas oficialmente, o que fez com que as revisões mecânicas deixassem de verificar esses itens corretamente. Os mecânicos faziam revisões com base no modelo original, sem considerar as adaptações feitas.

Queda aconteceu poucos minutos após a decolagem, em maio de 2022; aeronave virou de cabeça para baixo após bater em um talude. - (Foto: Divulgação)

O valor de uma simples verificação - O relatório do CENIPA deixou claro que muitos dos problemas poderiam ter sido evitados com mais organização e com o uso correto de listas de verificação — aquelas fichas onde os responsáveis marcam item por item o que está certo ou errado antes dos voos e manutenções.

Essas fichas são conhecidas como auditorias operacionais e funcionam como um passo a passo para garantir que tudo esteja seguro. No caso da empresa Skydive4Fun, os investigadores perceberam que os pilotos já estavam acostumados a usar equipamentos de forma errada, sem que isso fosse corrigido. Além disso, os documentos usados nas revisões não estavam atualizados com a realidade do avião.

Configuração interna da aeronave adaptada para paraquedismo não estava oficialmente registrada, o que comprometeu a segurança. - (Foto: Divulgação)

O que pode ser aprendido com esse caso - No fim do relatório, o CENIPA fez recomendações à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), à empresa responsável pelo avião e à oficina de manutenção. A principal sugestão é que as empresas sejam mais rigorosas com os controles, façam os registros corretamente e sigam os manuais dos fabricantes. Também foi recomendado que os pilotos aprendam a usar o equipamento de emergência da forma correta, só em situações realmente necessárias.

A mensagem é clara: a tragédia poderia ter sido evitada com mais cuidado, mais organização e mais responsabilidade. Uma simples lista preenchida com atenção pode parecer apenas um papel, mas pode significar a diferença entre um voo seguro e uma tragédia.