Desigualdade social acelera envelhecimento, diz estudo internacional
Pesquisa aponta que fatores coletivos como poluição, instabilidade e pobreza, afetam diretamente o envelhecimento cerebral
SAÚDEUm estudo publicado na revista Nature Medicine revela que o envelhecimento do cérebro pode ser influenciado por muito mais do que genética ou hábitos pessoais. De acordo com os pesquisadores, condições sociais, econômicas e políticas exercem forte impacto sobre a saúde cerebral, acelerando o processo de envelhecimento, especialmente em países com alta desigualdade e instabilidade.
A pesquisa analisou dados de 161.981 pessoas em 40 países, entre eles o Brasil. O estudo foi conduzido por um grupo internacional de 41 cientistas, incluindo três brasileiros apoiados pelo Instituto Serrapilheira, entidade privada sem fins lucrativos voltada à ciência.
Utilizando modelos de inteligência artificial e epidemiologia, os pesquisadores avaliaram o que chamam de BBAGs (diferenças de idade biocomportamentais) — um indicador que compara a idade real do indivíduo com a idade estimada com base em aspectos como cognição, funcionalidade, saúde, escolaridade e fatores de risco como doenças crônicas e deficiências sensoriais.
Os resultados indicam que o local onde se vive pode acelerar ou desacelerar o envelhecimento cerebral. Isso contraria a visão tradicional de que o envelhecimento seria condicionado apenas a fatores individuais.
“O lugar onde vivemos pode nos envelhecer mais rapidamente, aumentando o risco de declínio cognitivo e funcional. Em um país tão desigual como o Brasil, isso tem implicações importantes para a formulação de políticas públicas”, afirma Eduardo Zimmer, professor da UFRGS e um dos autores do estudo.
Fatores que aceleram o envelhecimento do cérebro
Os cientistas apontaram uma série de fatores sociais e políticos ligados ao envelhecimento mais rápido:
- níveis mais baixos de renda;
- má qualidade do ar;
- desigualdade de gênero;
- questões migratórias;
- falta de representação política;
- liberdade partidária limitada;
- direitos de voto restritos;
- democracias frágeis.
A pesquisa também observou que países com altos níveis de corrupção, baixa qualidade democrática e pouca transparência apresentam níveis mais elevados de envelhecimento cerebral. Em contrapartida, confiança nas instituições e estabilidade política estão associadas a melhores condições de saúde.
“A desconfiança no governo e a polarização política agravam a mortalidade e enfraquecem as respostas de saúde pública”, aponta o estudo.
Os pesquisadores sugerem que a exposição constante a contextos instáveis de governança pode causar estresse crônico, o que, ao longo do tempo, contribui para o declínio cardiovascular e cognitivo.
O estudo agrupou os países por nível de envelhecimento cerebral. Regiões como Europa Ocidental (França, Alemanha, Suíça) e partes da Ásia (China, Coreia do Sul, Israel e Índia) apresentaram os menores índices de envelhecimento precoce. Já países africanos como Egito e África do Sul tiveram os maiores índices. O Brasil aparece no meio da tabela, refletindo suas disparidades sociais e econômicas.
“O local onde se nasce e vive afeta o cérebro de forma desigual. Viver na Europa, África ou América Latina representa impactos distintos no envelhecimento, por conta do acesso desigual a recursos e saúde”, explica Wyllians Borelli, pesquisador da UFRGS e coautor do estudo.
Para Lucas da Ros, também da UFRGS, o foco das autoridades precisa mudar. Em vez de priorizar apenas ações voltadas aos fatores individuais de risco, é preciso investir no enfrentamento das desigualdades sociais como forma de garantir um envelhecimento populacional mais saudável.
“Antes de focar em riscos individuais, as autoridades de saúde devem priorizar a diminuição das desigualdades sociais e o desenvolvimento regional”, afirma.