Trump, Pix, Bolsonaro, Congresso, IR: a entrevista de Haddad ao 'Estadão' em 5 pontos
Ministro da Fazenda diz não trabalhar com hipótese de o Brasil não superar tarifaço e culpa Bolsonaro por ameaças do presidente dos EUA
CONFIRAO ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz não trabalhar com a hipótese de o Brasil não superar as ameaças feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar os produtos vendidos pelo País em 50% a partir de agosto.
Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, o ministro não poupou críticas à atuação da família Bolsonaro após a ameaça de Trump e seu apoio ao ex-presidente: "É um País sendo sacrificado por um soldado", disse.
Questionado sobre as contas públicas, Haddad afirmou que a agenda do Ministério da Fazenda "está dada" e admite que "não é razoável" imaginar que será possível aprovar grandes reformas no ano que vem, de eleições presidenciais.
O ministro refuta o discurso de que o governo está inflamando "pobres contra ricos" e afirma que as últimas medidas de anunciadas, como o aumento do IOF e a medida provisória com propostas de arrecadação, são para fazer "justiça tributária".
Ainda nessa linha, o chefe da equipe econômica diz desejar que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), abrace o projeto de lei que isenta do Imposto de Renda quem recebe até R$ 5 mil como se fosse "a reforma para chamar de sua".
Veja os principais trechos da entrevista em cinco pontos:
O apoio de Trump a Bolsonaro
Trump afirmou que vai taxar o Brasil em 50% "porque eu posso". Aparentemente, há um componente político muito forte. Como o Brasil vai negociar nesse campo político?
Eu acredito que a própria extrema direita brasileira vai se dar conta de que isso é um tiro no pé. A gente já viu filmes de guerra. Um soldado se sacrificar por um país é coisa rotineira, mas um soldado sacrificar o seu país por si mesmo é uma coisa que vai dar uma série de TV. Não é possível uma coisa dessas. Nós vamos sacrificar o Brasil por causa do Bolsonaro? Ele que devia estar se sacrificando pelo Brasil. Nós estamos numa inversão de valores tão grande que preocupa o grau de falta de noção dessa família do mal, o que ela está fazendo para o País. É uma família que está toda articulada em torno de si mesma e não tem uma palavra de nenhum membro em proveito do País. Não conheço paralelo na história de uma família ser um problema para o País inteiro e não fazer um gesto diante do caos e do pavor que eles estão gerando em segmentos econômicos importantes - inclusive que apoiaram a sua eleição, em 2018. São muitos empregos que podem ser afetados por uma completa inversão de valores. É um País sendo sacrificado por um soldado.
A ameaça de Trump e o Pix na mira
Qual o potencial de estrago que o tarifaço de Trump pode ter sobre a economia brasileira?
Neste momento, eu nem trabalho com a hipótese de a gente não superar esse negócio, porque vai atrapalhar a economia deles. Você tem uma forma de produzir hoje completamente diferente, as cadeias hoje são muito mais fragmentadas. Pensa na produção de um avião da Embraer: 45% dos componentes vêm dos Estados Unidos. E uma boa parte dos aviões são vendidos nos Estados Unidos. O suco de laranja é envasado lá nos Estados Unidos. Então, vai ter uma fábrica parada lá por falta do suco daqui. E qual é o sentido de taxar suco, café, carne? São coisas que vão encarecer o café da manhã do americano. Então, vai vendo como isso não faz muito sentido, do ponto de vista econômico.
De que forma o governo vai reagir à investigação comercial dos EUA sobre o Brasil?
Nós estamos procurando qual é a racionalidade, o que está, de fato, por trás dessa iniciativa. Porque, por exemplo: nós, em maio, apresentamos uma proposta de negociação (à taxação então de 10%). Sem que houvesse sequer uma resposta à proposta que o Brasil fez, veio a taxação de 50%. Foram dez reuniões. Acho que não conta com a minha que tive com o (secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott) Bessent na Califórnia. E ele próprio, na reunião que teve comigo, disse que negociaria a tarifa de 10%, diante da minha provocação de que não fazia sentido tarifar um país deficitário em relação ao comércio de bens e serviços com os Estados Unidos. Ele falou que há espaço para uma negociação. Se com 10% havia espaço para uma negociação, do que nós estamos falando? O que o Pix pode incomodar? Os Estados Unidos deveriam estar copiando o Pix. O Pix pode ser exportado como uma tecnologia que vai facilitar muito a vida das pessoas. Você não se incomoda com criptomoeda e vai se incomodar com o Pix?
Reforma do IR
O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem defendido a reforma administrativa como se quisesse uma reforma para chamar de sua.
A maior reforma que ele pode chamar de "minha", no caso dele, é a reforma da renda. Você imagina ser o presidente da Câmara dos Deputados que patrocinou a aprovação de uma medida histórica, que nunca foi sequer tentada por governo nenhum? Eu, no lugar dele, abraçaria essa causa.
Mas ele não deveria abraçar a reforma administrativa?
Não, ele pode abraçar dez reformas. Mas você me falou de uma para chamar de sua. Essa é a reforma da renda. Você poder estar na solenidade de sanção de um projeto desse, do lado do presidente da República, do lado do presidente do Senado. É histórico. O maior problema do Brasil é a desigualdade.
'Pobres contra ricos'
O discurso de 'pobres contra ricos' aparentemente não pegou. Pesquisa Quaest desta quarta-feira mostrou que a mensagem não chegou ao público alvo. Por quê?
A mensagem do governo não é essa; a mensagem do governo é a seguinte: nós temos que fazer um ajuste, nós temos que fazer justiça tributária. Tem 1% da população que está lá no andar de cima, não está contribuindo com a sua justa parte e que, se passasse a contribuir, a gente teria um País um pouco melhor do ponto de vista da igualdade de oportunidades. Não seria um país tão desigual. Então, muitas vezes por trás desse discurso existe uma vontade de que nada mude. Esse País aqui, nós conhecemos bem a história dele: 350 anos de escravidão, patrimonialismo, tudo que a gente conhece. Ninguém aqui vem fazer lobby a favor de pobre, vem todo mundo aqui fazer lobby a favor justamente do morador da cobertura. Esse País precisa mudar. Você vai condenar um governo, um ministério que está querendo fazer com critério, com bom senso, uma mudança que, ainda que pequena, vai melhorar a vida do País?
Mas a pesquisa mostra que há rejeição a esse discurso: mais da metade dos entrevistados disse que não apoia esse tipo de polarização...
Você está perguntando para uma pessoa que faz um discurso em outro sentido. As pessoas que estão querendo dizer que isso é rico contra pobre, na verdade, não querem que as coisas mudem. O discurso que estamos fazendo é justiça tributária. Não é possível que a camada mais privilegiada não contribua; não é com mais, é com o justo. Nós estamos falando de uma alíquota de Imposto de Renda que é a mesma de uma professora de escola pública. Isso é colocar ricos contra pobres?
Faria Lima x Congresso
Por que não discutir o índice de correção dos pisos de saúde e educação para que se adequem ao do arcabouço fiscal? O arcabouço fica de pé sem esse debate?
Ele fica de pé, mas veja bem: quando você não consegue aprovar o mais fácil, qual é a expectativa de conseguir aprovar o mais difícil? Nós não estamos conseguindo aprovar o mais fácil. Nós temos que ter uma conversa franca, porque dependo de voto. Não adianta você mandar uma coisa para lá (Congresso) para ficar bem perante a Faria Lima e não ter noção de como as coisas vão se processar. A Fazenda nunca se indispôs a discutir nada. Se falava que a reforma administrativa ia salvar o Brasil; está lá o deputado Pedro Paulo, vai apresentar a proposta. Vamos ver.
Neste ano e meio até o fim do governo Lula, o que o sr. quer entregar a mais?
Olha, no ano que vem, imaginar que nós vamos aprovar grandes reformas não é razoável. Essa agenda de medidas, parte das quais já está no Congresso, nós estamos empurrando. Tenho tratado com o deputado Hugo (Motta) e com o senador Davi (Alcolumbre) dessa agenda: a questão do PL (projeto de lei) da inteligência artificial; a questão do Redata, que é dos data centers, que está pronto mas a gente está discutindo com o Congresso qual a melhor maneira de fazer; a questão da Lei de Falências, que voltou para a mesa de negociação e pode ter uma solução; a garantia de Pix para crédito barato, que também está pronto para votar no Senado; a questão do devedor contumaz, que foi algo da última conversa que eu tive com o senador Davi Alcolumbre.