Redação | 16 de julho de 2025 - 16h04

Frigoríficos usam tarifa dos EUA para pressionar queda no preço do boi, diz Nelore-MS

Associação sul-mato-grossense afirma que impacto real da tarifa americana é pequeno e denuncia uso político da medida para pressionar pecuaristas

PECUÁRIA
Paulo Matos é o presidente do Nelore/MS - (Foto: Lorena Sone)

A decisão dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 50% sobre a carne bovina brasileira tem provocado mais barulho do que consequências práticas no setor pecuário nacional. Apesar de o anúncio ter ganhado destaque nas manchetes e acendido alertas no mercado, a Associação Sul-Mato-Grossense dos Criadores de Nelore (Nelore-MS) afirma que o impacto real da medida é limitado. Ainda assim, a entidade denuncia que frigoríficos têm se aproveitado da situação para pressionar os preços pagos ao produtor rural brasileiro.

“O que vemos é um discurso fabricado para jogar o custo de disputas comerciais nas costas do pecuarista”, afirma Paulo Matos, presidente da Nelore-MS. “Falar em colapso do mercado interno é, no mínimo, má-fé. Os EUA compram apenas 8% da carne que exportamos, o que representa cerca de 2,3% da nossa produção. Não há justificativa para baixar o preço do boi por conta disso.”

Segundo estudos técnicos da própria Associação, mesmo com uma redução expressiva de até 70% nas exportações destinadas aos Estados Unidos, o excedente a ser realocado no mercado global seria de cerca de 160 mil toneladas — o equivalente a 1,6% da produção brasileira. De acordo com Matos, esse volume não seria suficiente para pressionar os preços de forma relevante.

Exportações para os EUA são nichadas e pouco representativas - A carne enviada ao mercado americano, conforme destaca a Nelore-MS, é composta principalmente por cortes desossados congelados, voltados à indústria de hambúrgueres e alimentos processados. Trata-se de um segmento com pouca influência na formação do preço do boi gordo no Brasil, que depende mais da demanda interna e das exportações para países como a China.

A China, aliás, continua sendo o destino predominante da carne bovina brasileira, absorvendo mais de 60% das exportações do setor. Essa concentração reforça o argumento de que o mercado americano, embora importante do ponto de vista diplomático e estratégico, não é decisivo para os preços internos.

“A conta é simples: quem vai pagar mais caro pelo hambúrguer são os consumidores americanos, não os produtores brasileiros”, argumenta Matos.

Manobra dos frigoríficos é denunciada como oportunismo - Para a Nelore-MS, a utilização do tema da tarifa como justificativa para achatamento dos preços pagos ao produtor é uma tentativa deliberada dos frigoríficos de ampliar suas margens de lucro. A entidade lembra que o pecuarista brasileiro já lida com uma série de desafios operacionais e não pode ser transformado em “amortecedor das oscilações do mercado internacional”.

“Somos nós, produtores, que geramos emprego, movimentamos a economia rural, compramos insumos, financiamos máquinas e alimentamos o Brasil e o mundo. Não podemos ser tratados como elo mais fraco da cadeia produtiva”, desabafa o presidente da associação.

Segundo Matos, a estratégia dos frigoríficos se intensifica justamente em momentos de instabilidade ou de grande visibilidade midiática, quando o mercado ainda tenta entender os desdobramentos das decisões políticas e comerciais. Ele reforça que é fundamental que os produtores estejam atentos e resistam à pressão por vendas abaixo do valor de mercado.

Alerta ao produtor e articulação institucional - A Nelore-MS garante que continuará mobilizada e atuando em conjunto com outras entidades do setor, como confederações nacionais, cooperativas e o próprio Itamaraty, para defender os interesses do agronegócio brasileiro em fóruns nacionais e internacionais. A meta, segundo a associação, é garantir um ambiente de negócios equilibrado e justo para todos os elos da cadeia da carne.

“Seguiremos vigilantes, denunciando qualquer tentativa de distorção dos fatos com o intuito de penalizar o produtor”, afirma Matos. Ele também faz um apelo direto aos criadores: “Produtor, fique atento. Essa é uma manobra dos frigoríficos para forçar a venda dos seus animais por valores abaixo da média. Não aceite esse jogo.”

Movimentação política e geopolítica comercial - O anúncio da tarifa americana ocorre num contexto de crescentes disputas comerciais e preocupações sanitárias. Autoridades dos Estados Unidos alegam razões de segurança alimentar e concorrência desleal, mas representantes do governo brasileiro e do setor produtivo afirmam que há motivações protecionistas envolvidas.

Para os analistas, a imposição da tarifa pode fazer parte de uma estratégia do governo dos EUA para proteger sua própria indústria pecuária, especialmente em estados produtores que enfrentam desafios de competitividade diante da carne brasileira. No entanto, mesmo nesse cenário, o impacto direto sobre o Brasil é diluído pela diversificação dos mercados de exportação e pela flexibilidade da cadeia produtiva.

Expectativa é de estabilização do mercado - A previsão de analistas e entidades do setor é que o mercado deverá se reequilibrar nas próximas semanas, com os frigoríficos sendo forçados a buscar novos canais de comercialização ou absorver os custos da tarifa. A capacidade do Brasil de redirecionar sua produção para mercados alternativos é vista como um trunfo, especialmente pela forte demanda asiática e a competitividade da carne brasileira no cenário global.

“Não há espaço para pânico nem para oportunismo. O mercado é maduro e o produtor precisa ter consciência do seu papel e do valor do seu produto”, conclui Matos.