Sobra dinheiro, falta acesso: os entraves do crédito rural para pequenos produtores
Na prática, muitos agricultores não conseguem pegar o crédito do Pronaf mesmo com dinheiro disponível nos bancos
CRÉDITO RURALApesar do governo anunciar bilhões para a agricultura familiar, a realidade de quem vive no campo é bem diferente. Muitos produtores rurais não conseguem pegar o crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) por causa da burocracia. O problema foi abordado com clareza pelo vice-presidente da Acrissul, Alessandro Coelho, durante entrevista ao programa Giro Estadual de Notícias desta segunda-feira (07), transmitido pelas emissoras do Grupo Feitosa e redes sociais do jornal A Crítica.
Com uma fala direta, Alessandro explicou que o crédito até existe, mas que o acesso a ele é muito difícil. "Todo ano sobra dinheiro dentro do Pronaf. Por quê? Porque é muito difícil as pessoas acessarem esse crédito", afirmou. Segundo ele, pequenos detalhes como uma conta de luz atrasada ou um carnê vencido já impedem o produtor de conseguir o financiamento.
O crédito existe, mas o caminho é complicado - Durante a entrevista, Alessandro destacou que o problema é mais comum do que se imagina. Muitos agricultores, especialmente os que vivem em assentamentos ou áreas rurais sem documentação regularizada, não conseguem apresentar todos os papéis exigidos pelos bancos. E mesmo quando conseguem, o processo é demorado. "A burocracia é muito grande", resume.
Outro ponto citado é que o Pronaf tem linhas de crédito para quem está começando, com valores pequenos, mas que nem sempre estão disponíveis em todos os bancos. "Somente o Banco do Brasil opera essas linhas. A Caixa Econômica, por exemplo, não tem", explicou.
Medo de dever também afasta os produtores - Alessandro apontou ainda que muitos pequenos produtores têm medo de tomar crédito, especialmente quando já enfrentaram problemas com dívidas no passado. "Às vezes é uma conta atrasada que deixa o nome sujo, e aí ele já não consegue pegar o financiamento", contou.
Essa insegurança faz com que muitos produtores evitem buscar o Pronaf, mesmo tendo direito. "A maioria trabalha devagar, com medo de errar. E quando erra, pode perder tudo", disse. Para ele, o acesso ao crédito precisa ser mais simples, com menos burocracia e mais apoio para orientar o produtor.
Falta assistência técnica e orientação no campo - Outro desafio apontado por Alessandro é a falta de orientação técnica para quem quer começar a produzir leite ou investir na propriedade. Segundo ele, muitos produtores cometem erros logo no início por falta de planejamento. Um exemplo citado é o caso de quem compra vacas de leite sem antes preparar o pasto.
"Se você compra uma vaca de leite de alta produção e não tem comida para ela, ela não vai produzir. A culpa não é da vaca, é do manejo errado", explicou. Para evitar isso, ele defende que os produtores busquem orientação antes de pegar crédito, com apoio de entidades como o Senar e o Sebrae.
Linha específica para leite pouco usada - Alessandro também falou de uma linha de crédito específica para o setor leiteiro, com R$ 300 milhões disponíveis, mas que é pouco utilizada. O motivo? Os produtores não sabem ou têm dificuldade em acessar. "É uma linha boa, mas o produtor de leite, por perfil, tem medo de crédito. Ele é pequeno, qualquer erro custa caro", reforçou.
Para mudar esse cenário, ele defende que a assistência técnica seja prioridade e que as informações sobre as linhas de crédito cheguem de forma clara aos agricultores.
Começar certo para não desistir depois - Um alerta importante deixado por Alessandro é para quem pretende iniciar uma atividade no campo. Segundo ele, é comum ver pessoas que herdam um sítio ou compram um pequeno pedaço de terra e, sem conhecimento, resolvem comprar vacas e começar uma produção de leite. "O problema é que elas começam do fim: compram a vaca, mas não têm capim, não têm estrutura. A vaca emagrece, o bezerro morre e em três anos a pessoa desiste do negócio", relatou.
Para ele, é essencial seguir um passo de cada vez: primeiro preparar a pastagem, depois estruturar a propriedade, e só então investir em animais. "Se fizer isso certo, o crédito vai ajudar. Senão, vira dor de cabeça."
Bancos também dificultam - Além da burocracia do governo, Alessandro lembrou que muitos bancos não estão preparados para atender bem os pequenos produtores. Falta conhecimento sobre o Pronaf entre os funcionários, e as instituições preferem operar com valores maiores, mais lucrativos. Isso faz com que o pequeno produtor fique à margem do sistema, mesmo quando tem direito ao crédito.