Celulares chineses ultrapassam Apple no Brasil e querem ir além do aparelho 'baratinho'
Pelo menos quatro fabricantes chegaram no Brasil no último ano com a proposta de celulares "premium" para os consumidores
TECNOLOGIAEm 2025, nas prateleiras, o consumidor encontra mais opções de celular do que em qualquer outro momento desde que os smartphones viraram parte essencial da vida do brasileiro. Entre aparelhos mais tradicionais, marcas como Xiaomi, Realme, Honor, Oppo e Jovi já aparecem com frequência e vão além da proposta do dispositivo básico: com modelos que podem custar até R$ 33 mil reais, as fabricantes chinesas de celular chegaram ao Brasil para estabelecer uma concorrência de peso.
A ideia tem dado certo. Desde o ano passado, as marcas chinesas chegaram em massa no Brasil, com a entrada de pelo menos quatro fabricantes. Essas empresas também registraram um resultado expressivo para a categoria e já são a terceira força do mercado brasileiro, com mais de 20% do market share de celulares no País, atrás apenas de Samsung e Motorola.
“É o tamanho e potencial do mercado que torna o país altamente atrativo, além de um ciclo de troca de celulares mais curto do que em mercados mais saturados como Estados Unidos e Europa e de um consumo digital elevado que impulsiona a demanda por celulares com alto desempenho. Além disso, as empresas chinesas têm vindo para o Brasil como porta de entrada para a América Latina”, explica Fernando Meirelles, Professor Titular de TI da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A Xiaomi, por exemplo, desembarcou de vez no Brasil em 2019 e viu o número de usuários crescer a cada ano, principalmente com a linha Redmi, que oferece celulares com câmeras de até 200 MP. Hoje, a empresa tem uma fatia de mercado maior que a Apple, dona dos iPhones, representando 13% das vendas totais do primeiro trimestre de 2025, enquanto a californiana ficou com 6,66% no mesmo período.
O ticket médio ajuda na conta: a empresa vende seus celulares por preços que variam de R$ 1,8 mil a R$ 4,3 mil, enquanto a companhia de Tim Cook tem seu celular mais básico a partir de R$ 7,8 mil. Mas não são todas as empresas chinesas que querem adotar o mercado de entrada logo de cara.
Uma vez principal atrativo para os consumidores brasileiros, o preço baixo dos aparelhos não é, necessariamente, o que atrai as chinesas por aqui. Uma prova é a chegada da Jovi, conhecida como Vivo fora do País. A marca é a quarta mais vendida no mundo e chegou ao Brasil no final de maio deste ano. O celular mais “simples”, o V50 Lite, custa em média R$ 2,8 mil, acima do valor considerado baixo para o mercado de smartphones no País. Seu modelo mais potente, o V50, sai por cerca de R$ 5 mil.
“Na Índia, começamos a atuar um pouco com produtos de preço mais baixo e nos outros anos fomos perseguindo um mercado mais premium, buscando consumidor com poder aquisitivo um pouco maior e com nível de exigência de especificações maior. A estratégia aqui no Brasil é similar”, explica André Varga, diretor de produtos da Jovi.
A estratégia é parecida com a da Honor, marca que se derivou da Huawei e que hoje se concentra em celulares com configurações avançadas. A empresa chegou ao Brasil em janeiro deste ano com modelos que carregam câmeras potentes e telas dobráveis - o Honor Magic V3, lançado no início de junho, custa R$ 20 mil.
“Existe uma tendência do consumidor brasileiro de buscar melhores produtos para durar mais. Então, eu acho que é um momento ideal para entrarmos e mantermos uma operação sólida aqui no Brasil”, aponta Eduardo Garcia, diretor comercial da DL para a operação Honor no Brasil. A DL é a parceira da empresa para a distribuição dos aparelhos na região.
Quem também aposta no mercado de celulares mais sofisticados no Brasil é a Huawei, que acabou de retornar para o País. Sem vender celulares por aqui desde 2019, a empresa anunciou sua volta com os modelos mais caros do mercado brasileiro.
Para adquirir um Huawei Mate XT Ultimate Design, celular de três telas da companhia, será preciso desembolsar R$ 33 mil reais. A versão mais “básica”, um dobrável de duas telas, sai por R$ 23 mil e os aparelhos funcionam com um sistema operacional próprio, o HarmonyOS, desde que os EUA baniram a empresa do país, finalizando a parceria para utilizar o Android, do Google. A companhia ainda não tem data para iniciar as vendas.
O que as empresas buscam
Um dos fatores que fizeram as empresas chinesas procurarem o Brasil é o tamanho do mercado e a variedade de especificações exigidas pelo consumidor. O mercado brasileiro de smartphones é grande, com 213 milhões de habitantes e mais de 270 milhões de smartphones ativos em junho de 2024, segundo dados da FGV.
O papel do Brasil em relação à América Latina também é um fator que atrai essas empresas. Uma vez instaladas no País, a operação e distribuição de seus aparelhos para os países vizinhos se torna mais viável e factível a curto prazo. Essa também é uma forma de evitar o mercado cinza, comércio paralelo de aparelhos, que já foi responsável por grande parte da circulação de celulares por aqui.
“O Brasil está dentro do top 10 países em relação a smartphones mais vendidos no cenário global. Então, hoje, um fabricante estar dentro do mercado brasileiro aumenta o market share, aumenta a receita deste fabricante a nível global. Isso é muito importante para elas”, aponta Renato Meireles, analista de mercado em Mobile Phones & Devices da IDC Brasil.
Para a Oppo, também recém-chegada, o mercado mais diverso que começa a se formar no País traz oportunidades de crescimento grandes, ao passo que a desconfiança do consumidor com marcas menos populares fica de lado. De acordo com André Alves, gerente sênior de vendas Oppo Brasil, esse é um aspecto que as companhias que estão entrando no Brasil precisam estar atentas.
“O Brasil é um mercado altamente competitivo, mas também cheio de oportunidades para marcas que entregam inovação e entendem as necessidades do consumidor. Estudamos com afinco para sermos assertivos na entrega. Identificamos uma demanda por produtos diferentes do usual, com mais desempenho, durabilidade e design”, diz Alves.
Ainda é difícil, porém, encarar de frente as marcas dominantes por aqui, de acordo com Meirelles, professor da FGV. “É muito difícil e requer uma estratégia diferenciada. As marcas chinesas enfrentam barreiras estruturais de tributação, logística, assistência técnica local e regras da Anatel, que tornam a entrada complexa. Além disso, a fidelidade às marcas conhecidas entre consumidores brasileiros e a forte presença no varejo físico dificultam a penetração de novas marcas”, explica Meirelles.
Presente no Brasil desde 2021, a Realme entende os dois lados da moeda de lidar com um público crescente mas que exige uma identificação com a marca na hora de comprar um celular. A empresa ocupa, atualmente, a quarta posição no ranking de vendas de smartphones no Brasil, com 3,5% das vendas totais neste ano.
“Como marca emergente, a Realme enfrenta desafios e dificuldades significativas. Primeiro, por sermos novos no mercado, o reconhecimento da marca ainda é baixo, portanto ganhar mais reconhecimento e gerar mais afinidade entre os usuários é nosso maior desafio. Além disso, as características únicas do mercado brasileiro (com seu grande território e população diversa), exigem que pensemos cuidadosamente sobre como cobrir todo o país de forma efetiva”, diz Tedy Wu, CEO da Realme para a América Latina.
Mercado pode ser fatiado?
Mesmo com a grande entrada de chinesas por aqui, o mercado brasileiro de celulares ainda é dominado por duas gigantes de tecnologia: Samsung e Motorola. Anos de liderança no mercado, lançamentos voltados para todas as faixas de preço e modelos extremamente populares fizeram com que as duas companhias se tornassem donas de quase 70% do total de vendas.
Meirelles, da FGV, porém, acredita que esse é um cenário que pode mudar a partir do amadurecimento e do processo de sofisticação dos aparelhos entregues pelas empresas chinesas.
“Elas estão cada vez mais preparadas para enfrentar mercados complexos e para oferecer produtos que competem em todas as faixas de preço, qualidade, design e desempenho. Isso também mostra que as marcas chinesas continuam vendo o Brasil como estratégico, um mercado com espaço para crescimento, mesmo diante dos desafios. A chegada simultânea de várias marcas indica confiança no consumo, interesse em nichos e refletem o desejo das chinesas de diversificar mercados fora da Ásia, notadamente frente a restrições nos Estados Unidos e Europa”, explica Meirelles.
As estreantes concordam. Com o aumento das opções e variedade de oferta de celulares, eventualmente o mercado deve se abrir a concorrentes que, mesmo com uma história recente no País, estão se provando resilientes para integrar uma das economias mais importantes da região.
“Vemos a crescente concorrência no Brasil como um sinal saudável para o setor. A entrada de mais marcas acaba beneficiando os consumidores, oferecendo mais opções, o que impulsiona a inovação e agrega mais valor em todos os aspectos”, aponta Wu, da Realme.