Morre Violeta Chamorro aos 95 anos
Ex-presidente da Nicarágua faleceu neste sábado, 14, após um longo período de enfermidade
INTERNACIONALVioleta Barros de Chamorro, que governou a Nicarágua de 1990 a 1997 e foi a primeira mulher eleita presidente nas Américas, faleceu neste sábado, 14, aos 95 anos, em San José, na Costa Rica, depois de um longo período de enfermidade, anunciou sua família.
“Dona Violeta faleceu em paz, rodeada de carinho e de amor de seus filhos e das pessoas que a brindaram com um cuidado extraordinário”, diz comunicado assinado por seus quatro filhos.
Afastada da vida pública há duas décadas, ela havia se mudado de Manágua (capital da Nicarágua) para San José em outubro de 2023 para ficar perto de seus filhos – três dos quatro, exilados da Nicarágua por se oporem ao mandatário Daniel Ortega.
“Seus restos descansarão temporariamente em San José, Costa Rica, até que Nicarágua volte a ser República, e seu legado patriótico possa ser honrado em um país livre e democrático”, destaca o comunicado.
Ortega, a quem ela venceu nas urnas, governa o país há 18 anos e é apontado por seus opositores, governos e organismos internacionais como um autocrata que aniquilou a tolerância, liberdades e independência de poderes que ‘Dona’ Violeta havia conseguido.
A ‘dona de casa’ que pacificou a Nicarágua
Violeta Chamorro foi a primeira mulher eleita presidente das Américas. Durante seu governo (1990-1997), ela pacificou a reconciliou uma Nicarágua devastada por décadas de guerra. “Dona Violeta”, como os nicaraguenses a chamavam, morreu na Costa Rica após uma longa enfermidade, devido a complicações do Alzheimer e a um derrame sofrido em dezembro de 2018.
Depois que se afastou da vida pública, há mais de duas décadas, ela se transferiu para San José, em 2023, para ficar próxima dos três filhos exilados por se oporem Daniel Ortega. “Seu legado é inquestionável. Ela liderou a transição da guerra para a paz, curando um país devastado pelo conflito armado. O contraste com Ortega é claro e profundo”, disse à agência APF Félix Maradiaga, acadêmico e ativista político exilado nos Estados Unidos.
Violeta era viúva do jornalista Pedro Joaquín Chamorro, membro de uma das famílias mais proeminentes da Nicarágua que, enquanto proprietário e editor do jornal La Prensa, foi assassinado em janeiro de 1978 por sua oposição ao ditador Anastasio Somoza.
A morte do marido impulsionou Violeta Chamorro à direção do La Prensa e, posteriormente, à política.
‘Uma mãe angustiada’
Quando a insurreição liderada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) triunfou em julho de 1979, ela se juntou à Junta de Governo para a Reconstrução Nacional – entre os cinco membros estava Ortega. Ela era a única mulher.
Mas, em 1980, renunciou à Junta, insatisfeita com a orientação socialista da revolução e a influência de Cuba, voltou a dirigir o jornal e ganhou destaque como opositora dos sandinistas, que naquela década enfrentavam a guerrilha “contra” financiada por Washington.
Contra todos os prognósticos, venceu as eleições de fevereiro de 1990, indicada pela UNO, uma coligação de 14 partidos que com apoio de Washington derrotou Ortega, que era governante há cinco anos e buscava a reeleição.
Vestida de branco e em uma cadeira de rodas devido a uma lesão no joelho, na campanha eleitoral ganhou a confiança dos nicaraguenses com palavras sinceras, “próprias de uma dona de casa e de uma mãe”, relata em suas memórias “Sonhos do Coração”.
“Na cultura machista do meu país, eram poucos os que acreditavam que eu, na minha condição de mulher e, além disso, inválida, teria força, energia e vontade para derrotar” a Ortega, mas “se o muro de Berlim havia caído, por que não os sandinistas?”, escreveu.
Aos 60 anos, recebeu um país dividido e em bancarrota. “Quando assumi a Presidência senti uma grande angústia no meu coração”, assinalou. Ela aboliu o serviço militar obrigatório, concluiu o desarmamento de 20 mil guerrilheiros da “Contra” e reduziu o então Exército Popular Sandinista de 85 mil para 15 mil soldados. Ela fortaleceu as instituições e a liberdade de imprensa.
Mas seu governo abriu o país ao livre mercado e adotou um plano de austeridade fiscal e privatização de empresas públicas, o que desencadeou greves massivas. Os sandinistas a acusaram de desfazer os avanços sociais da revolução.
Filhos exilados
Violeta Barrios nasceu na província de Rivas, no sul do país, em 18 de outubro de 1929. Quando criança, tocava piano, andava a cavalo e ajudava a mãe a cuidar dos animais na fazenda da família. Ela era filha do proprietário de terras Carlos Barrios e de Amalia Torres.
Na adolescência, estudou por alguns anos nos Estados Unidos e se casou com Chamorro em 1950.Na década de 1980, a polarização do país também afetou sua família: dois de seus filhos apoiavam os sandinistas e dois, a oposição.
Após os protestos de 2018 contra Ortega, cuja repressão deixou 320 mortos, segundo a ONU, três dos filhos de Chamorro abraçaram um forte ativismo de oposição, seja por meio do jornalismo ou da política, e pagaram um alto preço por isso.
Cristiana, que esperava desafiar Ortega nas eleições de 2021, e seu irmão Pedro Joaquín permaneceram detidos daquele ano até fevereiro de 2023, quando foram exilados entre os 222 opositores libertados. Ela mora na Costa Rica, e ele, nos Estados Unidos.
Carlos Fernando exilou-se na Costa Rica em 2021 e edita o jornal online Confidencial. Claudia, embaixadora no início da revolução, também partiu, mas não se sabe onde ela mora.
O jornal centenário La Prensa foi confiscado pelo governo, assim como as propriedades da família. Uma estátua solitária de Pedro Joaquín Chamorro, um “herói nacional” que se opôs à ditadura, permanece em Manágua. /AFP