Número de evangélicos só deve superar o de católicos em 2050, aponta demógrafo
José Eustáquio avalia que redução no ritmo de crescimento é positiva, pois confere maior pluralidade religiosa ao País
BRASILProjetada para acontecer na próxima década, a transição religiosa no Brasil vai atrasar um pouco. Segundo o demógrafo José Eustáquio, autor da projeção, o número de evangélicos só deve superar o de católicos em meados do século.
“Essa redução no ritmo do crescimento é positiva”, afirmou o demógrafo ao rever suas projeções diante dos novos dados. “O meu medo era, em poucos anos, passarmos de uma hegemonia católica para uma hegemonia evangélica; dessa forma, teremos mais pluralidade religiosa.”
A revisão de rota foi feita nesta sexta-feira, 6, após a divulgação dos números do Censo 2022: Religiões, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostra uma redução no ritmo do crescimento de fiéis das igrejas evangélicas.
Depois de mais de uma década sem produção de dados sobre a religiosidade dos brasileiros, o IBGE revelou que os evangélicos passaram de 21,7% da população em 2010 para 26,9% em 2022 – um aumento de 5,2 pontos porcentuais ante 6,6 na década anterior, revelando uma ligeira queda no ritmo do crescimento.
O número de católicos, por sua vez, declinou quase dez pontos porcentuais no mesmo período, passando de 65,7% para 56,7%.
“Eu continuo achando que o número de evangélicos vai ultrapassar o de católicos, que é o que eu chamo de transição religiosa, mas não na próxima década, talvez por volta de 2050”, explicou o demógrafo. “Muitos países da América Latina estão seguindo esse caminho e a transição já aconteceu em Honduras e Nicarágua, por exemplo. No Brasil, até a década de 70, tínhamos um monopólio completo dos católicos, eram cerca de 90%. Foi a partir dos anos 90 que essa transição começou.”
Na análise do demógrafo, a identificação das igrejas evangélicas com a extrema direita e com algumas pautas políticas radicais, como a da posse de armas, pode ter contribuído para frear a velocidade do crescimento do número de evangélicos no País. A transformação de muitos cultos em palco de pregação política afastaria os grupos mais moderados.
“A defesa de pautas radicais a transformação de cultos em palanque político pode ter afastado muita gente moderada”, analisou o demógrafo. “A política extremista e o bolsonarismo não estão fazendo bem aos evangélicos.”
Eustáquio chama atenção, no entanto, para dois problemas relacionados aos novos números do IBGE. O primeiro é o fato de ter havido um erro de cobertura no Censo 2022 que acabou deixando de ouvir cerca de 8 milhões de brasileiros. O segundo é a mudança da metodologia aplicada no censo anterior. Em 2022, a pergunta sobre religião foi dirigida somente a maiores de 10 anos de idade. Em 2010 ela era dirigida também às crianças.
Apesar de o IBGE ter recalibrado os resultados para fazer as comparações entre 2010 e 2022, Eustáquio acredita que pode haver alguma diferença uma vez que as crianças tendem a declarar a mesma religião dos pais, o que favoreceria o número de evangélicos. Entre as parcelas mais jovens da população, os evangélicos são preponderantes.
“Não seriam mudanças absurdas, que alterariam o resultado geral, mas acho que seria um pouco maior”, disse Eustáquio. “Então, deixaria esses dois alertas: o erro de cobertura e a mudança da metodologia podem ter contribuído para essa tendência de redução da velocidade da transição religiosa.”
O aumento do número de pessoas que se declaram sem religião, na visão de Eustáquio, de forma geral, está relacionado à tendência de secularização constatada no países mais desenvolvidos, com o aumento no número de ateus e agnósticos. A exclusão das crianças do questionário do censo, entretanto, também pode ter contribuído. Segundo o demógrafo, filhos de pais de crenças distintas tendem a ser declarados como “sem religião”.
Os países mais desenvolvidos são mais secularizados”, afirmou Eustáquio. “No Japão, os sem religião já são maioria; na Europa, as porcentagens chegam a 30% e, nos EUA já ultrapassam os 20%. Na América Latina, o mais secularizado é o Uruguai, onde os sem religião já ultrapassam os católicos; o Chile vai pelo mesmo caminho.”
O aumento registrado no número de pessoas que se declaram do candomblé ou da umbanda (de 0,3% para 1,0%) na análise de Eustáquio não pode nem ser chamado de crescimento.
“Acho que está mais para ajuste”, afirmou.
A redução do número de espíritas, segundo o demógrafo, pode estar ligada à uma migração para o candomblé a umbanda, mas também aos escândalos envolvendo o médium João de Deus, acusado de abusos sexuais.