Santa Casa registra superlotação e prefeitura transfere 36 pacientes
Hospital registra boletim por superlotação, e prefeitura transfere pacientes às pressas para evitar colapso
SUPERLOTAÇÃONa manhã do último dia 26 de março, os corredores da Santa Casa de Campo Grande deixaram de ser apenas cenário de espera. Ali, onde o cheiro de desinfetante mistura-se com o de café coado em garrafas térmicas de plantão, médicos e gestoras da unidade decidiram fazer algo incomum: foram à delegacia prestar queixa.
A diretora clínica do hospital e o chefe da ortopedia relataram, no boletim de ocorrência, o que classificaram como “desespero”. A porta do setor de ortopedia havia sido fechada. A equipe não conseguia mais receber novos pacientes. Na mesa da direção, uma lista com 70 nomes de internados aguardando cirurgias — todos em situação urgente. Alguns com risco de sequelas permanentes, outros, segundo os médicos, podendo morrer por falta de materiais básicos como próteses.
A queixa não era apenas um alerta — era um grito. - Horas depois, a resposta veio da Prefeitura de Campo Grande. Através da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), em conjunto com as Centrais de Regulação Municipal e Estadual, foi feita uma operação emergencial: dos 43 pacientes que a Santa Casa pediu para transferir, 36 foram remanejados de forma imediata. Parte deles foi levada a outros municípios — não moravam em Campo Grande. Outros seguiram para hospitais que ainda tinham vagas.
Cirurgias paradas, corredores cheios - O retrato dentro da Santa Casa, naquela semana, era o de um sistema de saúde à beira do colapso. Pacientes enfaixados, muitos com fraturas, se amontoavam em macas e cadeiras. O hospital, que já vinha operando no limite, sofreu novo impacto com o aumento de casos respiratórios, o que também pressionou as UPAs e as unidades de pronto-atendimento.
Diante da pressão, a prefeitura informou que aumentou o valor mensal repassado à Santa Casa, passando de R$ 5 milhões para R$ 6 milhões. O acréscimo, segundo nota enviada à imprensa, tem o objetivo de ajudar no custeio do hospital — verba municipal, além dos recursos federais e estaduais que também compõem o orçamento.
Apesar disso, o impasse não é novo. No final de 2024, houve queda no total repassado, mas o município não explicou o motivo. A informação oficial é de que, ao longo do ano passado, os recursos do SUS destinados à rede municipal chegaram a mais de R$ 445 milhões.
Reação e promessa de alívio - Diante da denúncia feita pela direção do hospital, a Sesau também anunciou medidas complementares: a ampliação de leitos clínicos e cirurgias em hospitais filantrópicos da capital. Dois deles já confirmaram a abertura de 52 leitos. Três instituições se comprometeram a realizar mensalmente 150 cirurgias ortopédicas e outras 50 cirurgias gerais — número que, espera-se, ajude a desafogar a Santa Casa.
A ideia, segundo a gestão municipal, é redistribuir a carga assistencial de forma mais equilibrada, já que a Santa Casa concentra, historicamente, boa parte dos atendimentos de média e alta complexidade no SUS da capital.
Entre números e macas - A lógica do sistema público de saúde é matemática, mas a fila de pacientes internados continua sendo uma questão humana. Cada número nos comunicados oficiais representa alguém que espera anestesia, instrumentação, sala, equipe, tempo. Enquanto os contratos são formalizados e os repasses são ajustados, os médicos seguem fazendo o que podem — e registrando boletins de ocorrência quando não conseguem mais.
Em uma cidade onde os prontos-socorros vivem cheios, onde filas de espera são parte do vocabulário comum, o episódio do dia 26 escancarou uma situação que não é nova, mas que deixou de caber entre as paredes do hospital. Foi parar na delegacia, nas manchetes e, talvez, nas agendas políticas.
O que se espera agora é que os 70 nomes da lista comecem, aos poucos, a ser riscados. Não porque saíram do papel — mas porque, enfim, foram operados.