Apostas ilegais já movimentam mais de R$ 1 bilhão por mês no Brasil
Enquanto o mercado legal dá seus primeiros passos, as bets ilegais seguem faturando mais de R$ 1 bilhão por mês no Brasil sem tributo, sem controle, mas com muito Pix
APOSTA INVISÍVELNo mundo das apostas, o jogo mais arriscado não está na roleta ou na odd do próximo escanteio. Está fora do campo — e da lei. Segundo André Gelfi, diretor do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), as casas de apostas ilegais representam 60% do setor no país e movimentam, sem qualquer tipo de regulação, mais de R$ 1 bilhão por mês. O dado, quase silencioso, escancara o que muita gente já sabia: no Brasil, o mercado de apostas é gigante — e ainda é, em grande parte, um terreno à sombra.
“O principal desafio é a formalização do mercado”, afirma Gelfi, em entrevista ao Poder360. “Temos uma atividade econômica não monitorada, não tributada, acontecendo sem regras. Isso dificulta o desenvolvimento de um setor sustentável.”
O alerta vem justamente no momento em que a regulamentação oficial do setor entra em vigor. Desde 1º de janeiro de 2025, o Brasil passou a ter um mercado legal para apostas on-line. Há regras, fiscalização, e empresas licenciadas. Mas, como num jogo mal calibrado, o cenário real ainda está distante da teoria.
O coração do jogo bate em Pix - A base operacional do jogo, diz Gelfi, é o Pix — sistema de pagamento instantâneo usado por todas as casas, legais ou não. “Se houver monitoramento eficaz das transações e CNPJs envolvidos, conseguimos sufocar a informalidade”, argumenta. A fiscalização, porém, ainda engatinha.
Até fevereiro, o governo federal havia bloqueado 11.555 domínios de bets ilegais. O número impressiona, mas, segundo Gelfi, está longe de ser suficiente. “É uma medida importante, mas precisa vir acompanhada de mais controle financeiro e limites claros à publicidade.”
A proibição de anúncios para empresas sem licença, por exemplo, foi vista como um avanço. Ainda assim, muitas dessas plataformas continuam operando em silêncio — mas ativas, acessíveis, rentáveis.
R$ 25 bilhões no total, mas quem ganha mais? O faturamento total do setor, segundo estimativa do IBJR, gira em torno de R$ 25 bilhões ao ano. Mas o montante ainda se concentra, em grande parte, nas mãos das operações clandestinas. Para os operadores licenciados, a informalidade representa mais do que concorrência desleal: é uma ameaça à credibilidade e à sustentabilidade do próprio mercado.
O IBJR reúne hoje nove grandes empresas, entre elas gigantes como Bet365, Betsson, Entain, Flutter, Kaizen Gaming e BetMGM. O grupo representa cerca de 75% do mercado formalizado.
Do jogo do bicho aos cassinos - Durante a entrevista, Gelfi também defende a regulamentação de outras modalidades — incluindo o jogo do bicho e cassinos físicos, desde que sob regras claras. “A proibição raramente funciona”, diz. Ele acredita que se uma atividade tem demanda social, deve ser regulada, não reprimida. “Se for algo que só causa danos, precisa ser avaliado com mais cuidado. Mas o jogo do bicho, por exemplo, poderia ser integrado ao sistema com responsabilidade.”
Clube, camisa e patrocínio - Outro ponto sensível envolve os patrocínios de bets aos clubes de futebol. Nos últimos anos, as casas de apostas se tornaram onipresentes nas camisas dos times brasileiros. Segundo Gelfi, os valores pagos estão “acima do razoável” e devem passar por ajustes. “No médio prazo, esse equilíbrio virá. O mercado vai se corrigir”, afirma.
A correção que Gelfi propõe, no entanto, depende de tempo — e de vontade política. Enquanto isso, o Brasil continua sendo palco de dois jogos simultâneos: um legal, com CNPJ, licenciamento e impostos. Outro invisível, mas potente, movimentando bilhões sem responder a ninguém.
E nesse jogo, como em tantos outros, quem perde não é só o Estado. É o próprio jogador.