Da Redação | 12 de março de 2025 - 19h45

A Justiça e a agulha: quem pode, afinal, aplicar um preenchimento?

Tribunal reafirma que procedimentos estéticos invasivos são exclusivos de médicos e reacende debate sobre os limites da profissão

JUSTIÇA

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul bateu o martelo: procedimentos estéticos invasivos são prerrogativa exclusiva de médicos. A decisão, tomada pela 4ª Câmara Cível, negou o recurso de uma clínica de estética que contestava a proibição dessas práticas por fisioterapeutas e outros profissionais da saúde. O entendimento não é novo, mas reforça uma tendência crescente no Judiciário: delimitar claramente quem pode – e quem não pode – injetar substâncias no rosto alheio.

O caso reacende um debate que já ultrapassa os consultórios e invade redes sociais e tribunais. De um lado, médicos defendem que apenas eles têm formação suficiente para lidar com riscos e complicações de técnicas como harmonização facial, preenchimento labial e aplicação de toxina botulínica. Do outro, fisioterapeutas, biomédicos e enfermeiros argumentam que seus cursos e treinamentos os qualificam para atuar no setor. No meio disso tudo, um mercado bilionário e um público cada vez mais interessado nos benefícios da estética.

A lei, a polêmica e o bisturi invisível - A decisão da Justiça sul-mato-grossense não surgiu no vácuo. Ela se apoia na Lei do Ato Médico (12.842/2013), que define que procedimentos invasivos – aqueles que penetram a pele e atingem camadas mais profundas do corpo – são de competência exclusiva dos médicos.

O tema ganhou força nos tribunais após uma série de casos que levantaram preocupações sobre a segurança dos pacientes. O episódio mais emblemático ocorreu em São Paulo, quando o empresário Henrique Silva Chagas morreu após um peeling de fenol realizado por uma influenciadora sem formação médica. A tragédia reforçou a discussão sobre a necessidade de fiscalização mais rigorosa no setor.

Em Mato Grosso do Sul, a Justiça já havia tomado medidas semelhantes. Em agosto de 2024, o juiz Marcelo Ivo de Oliveira, da 2ª Vara de Direitos Difusos, determinou que o Instituto Evelin Magalhães suspendesse cursos e atendimentos estéticos invasivos. Um mês depois, foi a vez da clínica Silvia Rodrigues ter suas atividades interrompidas pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa. O argumento central nas duas decisões foi o mesmo: a segurança do paciente vem em primeiro lugar.

Entre seringas e tribunais - Na mais recente decisão, a desembargadora Sandra Regina da Silva Ribeiro Artioli, relatora do caso na 4ª Câmara Cível, reforçou que conselhos profissionais não podem expandir as atribuições de seus membros além do que prevê a legislação federal. Para o tribunal, a saúde pública justifica a restrição.

A discussão, porém, está longe de um ponto final. Profissionais não médicos argumentam que há brechas na lei e que a estética, por não envolver tratamentos clínicos, deveria ser regulamentada de outra forma. A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), por sua vez, continua movendo ações para barrar cursos e atendimentos oferecidos por não médicos.

No fim das contas, enquanto os tribunais definem quem pode ou não segurar uma seringa, a demanda por procedimentos estéticos segue crescendo – e o bisturi invisível da Justiça continua redesenhando os limites da profissão.