Carlos Guilherme e Lorena Sone | 13 de fevereiro de 2025 - 09h50

'Ela seguiu todos os passos, mas foi assassinada', diz delegada sobre jornalista morta por ex-noivo

Vítima solicitou medida protetiva um dia antes do crime, mas agressor ainda não havia sido notificado

FEMINICÍDIO
Delegada Elaine Benicasa deu detalhes do crime que aconteceu ontem em Campo Grande - (Foto: Ana Clara Ruiz)

"Ela seguiu todos os procedimentos corretos". Essa foi a fala da delegada titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), Elaine Benicasa, nesta quinta-feira (13) sobre o feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, 42, cometido ontem (12), em Campo Grande. A profissional que iria completar 43 anos neste domingo (16), foi a primeira mulher assassinada na Capital.

Mesmo seguindo todos os procedimentos corretos – registrando boletim de ocorrência, solicitando medida protetiva e buscando apoio policial –, Vanessa foi assassinada pelo ex-noivo, Caio Nascimento Pereira, 35, dentro de casa.

"Ela seguiu todos os procedimentos corretos. Vanessa compareceu à delegacia, solicitou a medida protetiva, e a medida foi deferida rapidamente, ainda durante o plantão, antes mesmo do prazo estipulado pelo juiz", disse. No entanto, a intimação formal do agressor ainda não havia ocorrido, o que comprometeu a eficácia imediata da proteção concedida.

Delegada deu detalhes sobre o ocorrido - (Foto: Ana Clara Ruiz)

Na madrugada anterior ao crime, Vanessa chegou a procurar a delegacia para denunciar o então companheiro, com quem mantinha um relacionamento há quatro meses. O homem, que morava na casa da vítima, era usuário de cocaína e possuía um histórico de crimes e violência doméstica contra a mãe e a irmã.

Na denúncia, a jornalista relatou que vinha sendo ameaçada e solicitou uma medida protetiva, prontamente deferida pelo Poder Judiciário. No dia seguinte, preocupada com a situação, retornou à delegacia para verificar o andamento do processo e recebeu a confirmação da medida.

"Foi sugerido que ela permanecesse no abrigo até que a intimação fosse realizada. No entanto, por ser proprietária da casa e entender que ele não tinha o direito de estar ali, Vanessa recusou o abrigo. Ela acreditava que estaria segura dormindo na casa de um conhecido e decidiu apenas retornar à residência para buscar seus pertences", diz.

Jornalista Vanessa Ricarte, 42 anos, foi assassinada a facadas pelo ex-noivo, horas após denunciá-lo à polícia. Crime aconteceu em Campo Grande (MS) - (Foto: Reprodução)

No entanto, ao chegar em casa acompanhada de um amigo, encontrou o agressor no local, visivelmente alterado. A partir desse momento, o cenário de violência escalou rapidamente. Ao ser confrontado por Vanessa, o agressor inicialmente pareceu concordar em sair, mas, enquanto o amigo da vítima fazia uma ligação pedindo ajuda, ele pegou uma faca na cozinha e desferiu três golpes no tórax da jornalista.

O amigo conseguiu puxá-la para um cômodo e trancar a porta enquanto o agressor tentava arrombá-la e proferia ameaças. Depois de algum tempo, percebendo a gravidade do que havia feito, o criminoso se acalmou e, de forma fria, chegou a pedir um cigarro e uma bebida.

Foi nesse momento que o amigo acionou a Polícia Militar (PM). Quando os agentes chegaram ao local, encontraram o suspeito trancado no andar superior da casa. Ele foi preso em flagrante. Vanessa, ainda com vida, foi socorrida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital.

Intimação não realizada - O caso de Vanessa evidencia um problema grave e recorrente no combate à violência contra a mulher: a demora na intimação do agressor. A medida protetiva foi deferida rapidamente, mas, para ter eficácia, o acusado precisa ser formalmente notificado – algo que não aconteceu antes do crime.

"O processo funciona da seguinte forma: assim que a medida protetiva é solicitada, ela é encaminhada imediatamente para a 3ª Vara, que analisa e concede a decisão", explicou Benicasa. "Neste caso, o Judiciário agiu com rapidez e a medida foi deferida prontamente. No entanto, a intimação do agressor depende de um oficial de justiça, que precisa localizá-lo e garantir que ele tenha ciência das restrições impostas."

Sem essa notificação formal, o agressor não poderia ser preso caso descumprisse a medida. Ou seja, mesmo com a decisão judicial em mãos, Vanessa continuava desprotegida. A delegada reforça que essa falha no sistema pode ser fatal. "Infelizmente, o tempo necessário para essa intimação pode variar, o que compromete a efetividade imediata da proteção concedida", finaliza.