Um em cada 3 professores de escolas públicas não tem formação adequada
Salários baixos, temporários em alta e despreparo: uma radiografia que preocupa o sistema público de ensino
EDUCAÇÃONesta semana, o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024 foi divulgado e trouxe à tona uma realidade desanimadora: um em cada três professores de escolas públicas brasileiras leciona sem a formação necessária para a disciplina em que atua. O levantamento, promovido pela organização Todos Pela Educação em parceria com a Fundação Santillana e Editora Moderna, oferece um retrato sem filtros da educação básica nacional, apontando não só o despreparo dos docentes como também a instabilidade da carreira e a contratação em massa de temporários. É um panorama que desafia qualquer promessa de valorização da educação.
Segundo o anuário, apenas 68% dos professores do ensino médio e da educação infantil na rede pública têm a formação específica para a disciplina que ensinam. Nos anos iniciais do fundamental, o número cresce um pouco, para 79%. Mas nos anos finais, onde o ensino se aprofunda, ele despenca para 59%. A realidade é ainda mais alarmante quando se observa que 12,8% dos professores, tanto nas redes públicas quanto privadas, sequer possuem graduação.
“A qualidade de ensino fica comprometida quando os professores lecionam fora de suas áreas de especialização,” alerta Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação. “Temos professores de física tentando ensinar química e, na prática, isso se reflete na dificuldade dos alunos e na baixa performance das escolas públicas.”
No entanto, além da formação inadequada, outra realidade preocupa: a proliferação de contratos temporários, especialmente nas redes estaduais, onde o número de professores temporários já ultrapassa o de efetivos. Para muitos, trata-se de um sinal de fragilidade no compromisso do governo com a valorização do professor. Em vez de investir na contratação e no desenvolvimento de profissionais qualificados, o sistema opta por soluções temporárias e, com isso, compromete a qualidade da educação a longo prazo.
Salários desiguais e um plano de carreira que ainda não se cumpre - Em termos salariais, os professores até tiveram algum avanço. Hoje, recebem 86% do que ganham outros profissionais com formação equivalente, chegando a um rendimento médio de R$ 4.942. Há uma década, essa proporção era de 71%. Mas essa conquista salarial não parece ter sido suficiente para estabilizar a carreira. O uso massivo de temporários e a ausência de progressões claras acabam tornando o quadro desmotivador.
“O aumento no salário é apenas um ponto,” pondera Gontijo. “O que estamos vendo é uma disparidade entre a promessa de um ensino de qualidade e o apoio real que os professores recebem.”
Formação: a distância e sem perspectivas claras - O estudo também indica que dois terços dos licenciandos brasileiros estão se formando a distância, o que levanta questionamentos sobre a qualidade da preparação desses futuros professores. É uma situação que Haroldo Corrêa Rocha, coordenador-geral do Movimento Profissão Docente, descreve como preocupante: “A democratização do acesso ao ensino superior é importante, mas precisamos de garantias de que essa formação seja suficiente para preparar os professores para os desafios da sala de aula.”
Planos para uma mudança: nova promessa do MEC - O governo, em resposta, promete uma série de iniciativas. O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou para novembro o lançamento de um conjunto de ações que inclui o programa Pé-de-Meia, que deverá oferecer bolsas a estudantes de licenciatura. A ideia é atrair novos profissionais para o magistério. Mas, para muitos analistas, ainda falta clareza sobre como essas políticas enfrentarão os desafios estruturais da carreira docente e, sobretudo, se elas não chegam tarde demais para salvar uma geração de alunos que já sente na pele os efeitos de anos de descaso.
No fim, o Anuário da Educação Básica 2024 revela o que já era conhecido, mas raramente admitido: a educação pública no Brasil continua sendo uma promessa mal cumprida, com soluções paliativas que dificilmente responderão à altura das demandas do sistema.
Serviço
• Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024: Disponível para consulta no site do Todos Pela Educação