Ricardo Eugênio | 12 de outubro de 2024 - 15h27

Ary Toledo no Rádio Clube: a memória viva dos eventos de A Crítica nos anos 80

Ary Toledo, que faleceu aos 87 anos neste sábado (12), marcou a história de Campo Grande e do jornal A Crítica com seu humor afiado em eventos que reuniam a alta sociedade local.

ANOS 80
Registro de jantar com Ary Toledo e representantes do jornal A Crítica na churrascaria Majestic. Da esquerda para a direita: Ary Toledo, Luiz Carlos Feitosa, Edgar Pereira, Nilson Feitosa, Pedro Silva e William Ribeiro. - (Foto: Arquivo)

Durante as décadas de 1980 e 1990, as festas de premiação promovidas pelo jornal A Crítica, em Campo Grande, eram conhecidas por duas coisas: o prestígio de quem recebia os diplomas de “Melhores do Ano” e as gargalhadas que tomavam o salão do Rádio Clube quando Ary Toledo subia ao palco. Em um tempo sem redes sociais ou streaming, o humor de Toledo era um evento por si só, aguardado com ansiedade pelos empresários e políticos da capital do Mato Grosso do Sul. O comediante, que faleceu neste sábado (12 de outubro), aos 87 anos, era mais que um convidado ilustre: ele se tornou uma espécie de mestre de cerimônias dessas noites de gala.

Com uma trajetória que começou nos palcos da São Paulo dos anos 1960, Ary Toledo construiu sua fama com piadas provocativas e de duplo sentido, que não poupavam nem o público mais conservador. Para quem assistia, ele era sinônimo de risos garantidos — fosse na televisão, fosse ao vivo, nos eventos mais requintados, como os promovidos por A Crítica.

Luiz Carlos Feitosa, diretor do jornal, recorda com nitidez como esses encontros entre Toledo e Campo Grande marcaram uma época: “O Ary vinha várias vezes para nossas festas, e sempre com o mesmo compromisso: fazer todo mundo rir, sem exceção. Ele tinha um timing perfeito, sabia dosar as piadas mais pesadas e, no fim das contas, deixava o público encantado”, relembra Feitosa.

O humor e a alta sociedade de Campo Grande - Era uma combinação inusitada: em uma noite formal, com empresários, políticos e personalidades locais trajados em seus melhores ternos e vestidos, Ary Toledo, com seu estilo escrachado, dominava a atenção de todos. “As pessoas sabiam que as piadas seriam provocativas, mas essa era a grande graça”, diz Feitosa. O salão do Rádio Clube, tradicional ponto de encontros da elite campo-grandense, se transformava durante esses eventos. Depois da entrega dos diplomas e de um jantar meticulosamente preparado, Toledo assumia o microfone. O clima mudava. O público, já relaxado pelas horas de confraternização, estava pronto para ser surpreendido.

Toledo sabia trabalhar com esse público específico, diferente do que encontrava em suas turnês por teatros. “Ele adaptava suas piadas, mas sem perder a essência. Tocava em temas do cotidiano, nas relações de poder, e fazia comentários que ressoavam com o público presente. Mesmo os políticos ali presentes, que sabiam que seriam alvo de alguma piada, riam”, recorda Feitosa. Toledo tinha o talento de transformar até os momentos mais formais em pura descontração, sem, no entanto, perder o tom respeitoso.

O humorista parecia entender intuitivamente o que era permitido e o que podia ultrapassar o limite. Ele flertava com o politicamente incorreto — algo que, naquela época, não era questionado com o mesmo rigor de hoje —, mas fazia isso de uma forma que deixava o público confortável. Toledo não ofendia; ele, antes, desafiava as convenções com um sorriso cúmplice, quase pedindo permissão para contar suas piadas.


Ingresso do show de Ary Toledo no Clube Libanês, realizado em 3 de setembro de 1991, com promoção de Pedro Silva.

A logística de um show para poucos - Por trás das risadas e do clima de festa, havia uma preparação cuidadosa. Marly Marley, atriz e diretora de teatro, além de esposa de Ary Toledo, era a responsável pela negociação dos contratos. “A Marly cuidava de tudo. A gente ligava para ela, fechava os detalhes, e o Ary chegava com tudo pronto. Eles eram uma dupla e tanto”, relembra Feitosa, que ainda guarda fotos dos bastidores dessas noites.

Os eventos de A Crítica eram parte de uma rotina agitada de Toledo. O comediante se apresentava pelo Brasil inteiro, de pequenas cidades do interior a grandes capitais. Campo Grande era uma parada especial. “O Ary gostava daqui, sempre disse que se sentia acolhido. Não eram só shows; era uma troca com a cidade. Ele passava um tempo com a gente, conversava com as pessoas, era muito acessível”, afirma Feitosa. “No final das apresentações, ele sempre ficava mais um tempo, trocando histórias, tirando fotos. Era esse tipo de pessoa.”

Essa relação próxima com o público também ajudava Toledo a calibrar suas apresentações. Ele não chegava ao palco apenas para cumprir uma agenda; ele sentia o clima da festa, observava as reações, e adaptava seu show. Feitosa destaca que Ary Toledo sabia que aquelas noites eram especiais para a cidade: “Não era sempre que tínhamos um grande nome nacional por aqui, então quando ele vinha, sabíamos que seria algo grandioso.”

O riso e o legado - Com a morte de Ary Toledo, um pedaço da história dessas noites de gala se encerra. Campo Grande não era o centro de grandes eventos nacionais, mas quando Toledo vinha à cidade, parecia que tudo ganhava mais brilho. Ele trazia consigo um humor que, de tão direto, parecia também simples, mas escondia uma profunda compreensão dos sentimentos do público.

Hoje, Feitosa, diretor do jornal A Crítica, se emociona ao relembrar os momentos que viveu ao lado do comediante. “Ele ajudou a moldar o que eram nossas festas. As pessoas vinham esperando rir, sim, mas também esperando por ele. Ary Toledo fez parte da história de A Crítica, e a cidade vai sentir sua falta. Não era apenas um show; era uma conexão.”

As piadas “cabeludas” — como ele mesmo gostava de chamar — ficaram no passado. Mas o riso, esse que ele arrancava de qualquer um, sem pedir licença, será lembrado por muito tempo nas conversas daqueles que participaram das noites de gala que ele transformou em eventos históricos.