Ricardo Eugenio | 05 de outubro de 2024 - 08h28

Entre o pasto e a televisão: como Diego Trindade reescreve o agro na TV

Diego nasceu e cresceu em Campo Grande, MS, onde teve contato direto com o agronegócio desde cedo.

TRADIÇÃO RURAL
Diego Trindade no comando de mais um episódio do Agro no Ponto, descomplicando o mundo rural. - (Foto: Reprodução)

De botas sujas de terra, chapéu na cabeça e um sorriso no rosto, Diego Trindade caminha por entre plantações de milho ou no meio de um pasto, enquanto fala com a câmera como se estivesse conversando com um velho amigo. O cenário não é um estúdio de TV: é o campo, onde ele se sente mais à vontade e onde seu programa, Agro no Ponto, ganha vida. Diego não é um apresentador convencional. Ele prefere estar no meio da poeira, cercado pelo ritmo lento da vida rural, enquanto traduz, com uma facilidade surpreendente, os temas complexos do agronegócio para quem nunca sequer viu uma plantação de perto.

Aos 40 anos, Diego se tornou o rosto de um dos programas mais populares voltados para o setor agropecuário, transmitido semanalmente pela TV Jangadeiro. Mas, em vez de falar para especialistas ou grandes empresários, ele fala para o público geral, aquele que muitas vezes não sabe de onde vêm os produtos que consome. E é exatamente aí que Diego brilha: ele é capaz de conectar o público urbano ao mundo do campo, explicando como a produção de carnaúba no Nordeste ou as inovações na ovinocultura afetam diretamente o que vai parar no prato de cada brasileiro.

Neto de quem? Diego é de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, uma cidade que, à primeira vista, poderia ser apenas mais uma capital no interior do Brasil, se não estivesse profundamente ligada à história de sua família. O avô de Diego, Flávio Benjamin Corrêa de Andrade, foi um dos homens responsáveis pela criação do próprio estado. Advogado, político e produtor rural, Flávio Andrade passou a vida lutando por um Mato Grosso do Sul independente, numa época em que a ideia de dividir Mato Grosso soava quase tão exótica quanto criar gado bovino em pleno cerrado.

Flávio era o típico homem do interior: recatado, devoto de São Judas Tadeu, com hábitos simples e uma paixão inegociável pelos cavalos da raça árabe. No entanto, também transitava com destreza pelos corredores da política e da Justiça Militar, onde fez carreira. “Ele tratava todo mundo igual, de presidentes da República aos trabalhadores da fazenda”, lembra Diego com uma admiração que transparece mesmo no tom mais controlado que mantém diante das câmeras. Flávio, para quem o neto é uma espécie de releitura contemporânea, foi uma figura essencial para a modernização do agronegócio e um dos fundadores da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul). Um nome quase mítico no estado, mas que poucos conhecem fora das fronteiras sul-mato-grossenses.

Enquanto Diego fala, o avô se faz presente. Há uma reverência nas entrelinhas de cada história que ele conta, como se a simples menção ao campo fosse também uma homenagem ao homem que lhe ensinou a amar a terra. Não é raro que, em algum momento do programa, Diego desvie o olhar para um ponto indefinido e, entre uma piada e outra, solte um conselho que, claramente, vem de Flávio. “Respeita o ritmo da natureza, que ela devolve o que você plantou”, ele repete, como quem entrega a chave para o entendimento de algo muito maior que a própria televisão.

A ponte entre o campo e o sofá - Mas Diego Trindade não é só neto de Flávio de Andrade, e seu sucesso no Agro no Ponto não se explica apenas pela genealogia. Ele conseguiu transformar o que poderia ser apenas um programa técnico sobre o agronegócio em uma espécie de narrativa sobre a vida rural, um espaço onde histórias de superação se entrelaçam com as dificuldades reais da produção de alimentos no Brasil. Se para o público urbano o agronegócio se resume a grandes fazendeiros e commodities, Diego faz questão de mostrar o outro lado – o lado humano.

No episódio sobre a cadeia produtiva da carnaúba, por exemplo, Diego apresenta o processo de extração da cera de forma quase lírica. A carnaúba, também conhecida como a “Árvore da Vida”, é uma planta endêmica do Nordeste brasileiro, cuja cera é utilizada em uma variedade imensa de produtos, desde cosméticos até alimentos e eletrônicos. Ao explicar o funcionamento dessa cadeia produtiva, Diego destaca o esforço das comunidades que vivem da extração da cera, enfrentando o sol inclemente do sertão. Ao final do bloco, é difícil não se sentir solidário àqueles que, silenciosamente, mantêm o mercado global abastecido com um produto que poucos sabem de onde vem.

Confira: 

E essa é a grande sacada de Diego: ele não se prende aos números ou às tecnicalidades. Para ele, o agronegócio é feito de gente. E, mais do que isso, é um setor vivo, pulsante, que precisa ser compreendido para além das cifras bilionárias que surgem nos noticiários. Em Agro no Ponto, o público encontra histórias reais, como a de Júnior, um criador de ovinos de Nova Russas que começou a criar animais com o pai e o avô, aos 11 anos, e que hoje, com a ajuda de novas tecnologias, vem melhorando a produtividade de sua pequena fazenda. Histórias como essa são a espinha dorsal do programa.

Diego e o futuro do agro - No Brasil, o agronegócio é sempre descrito como o “motor da economia”, mas Diego sabe que a sustentabilidade, tema que ressoa nas conversas de bar e nas grandes conferências, é o verdadeiro ponto de inflexão para o setor. “O futuro do agro é sustentável ou não será”, repete Diego, quase como um mantra. A frase, que de tão batida poderia soar vazia, ganha credibilidade quando dita por alguém que vem de gerações de agricultores e que, ao contrário de muitos outros defensores do “agro pop”, realmente conhece as nuances e dificuldades do setor.

Seu discurso sobre sustentabilidade, no entanto, não é pautado por modismos. Diego sabe que o futuro do agronegócio passa pela tecnologia, mas que também depende de respeito às tradições e às práticas que deram certo por séculos. No programa, ele fala com entusiasmo sobre a utilização de novas tecnologias no campo, mas sem se deslumbrar com as promessas de revoluções digitais. Para ele, o segredo é a combinação do novo com o velho, do moderníssimo com o orgânico. “A terra devolve o que você planta”, ele repete, não só como uma homenagem ao avô, mas como um lembrete de que o futuro se constrói sobre o que foi feito no passado.

Diego Trindade e o campo invisível - Para o público urbano, o campo muitas vezes é invisível. Os alimentos aparecem nas prateleiras dos supermercados, embalados e prontos para o consumo, e a distância entre a cidade e a produção rural parece intransponível. Mas, com Diego, o Agro no Ponto se transforma numa espécie de guia não oficial do agronegócio para leigos. Ele não está ali para ensinar, mas para mostrar como o campo e a cidade estão mais conectados do que se pensa.

No fim das contas, Diego Trindade é um contador de histórias. As histórias que ele conta no Agro no Ponto (clique aqui e confira o canal) não são apenas sobre plantação, colheita ou gado. São histórias sobre o Brasil profundo, sobre as pessoas que fazem o país funcionar, sobre um campo que existe, ainda que invisível para a maioria. No centro dessa narrativa, Diego está em paz. O campo, para ele, é mais do que trabalho ou herança. É onde ele encontra suas próprias raízes.