"Médico emergencista precisa estar preparado para agir com empatia e rapidez"
A presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE) destaca a importância dos trabalhos do médico emergencista diante de tentativas de suicídio no País
CAMILA LUNARDIEm entrevista ao jornal A Crítica, a presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE), Camila Lunardi, destacou a importância do Setembro Amarelo, campanha nacional de prevenção ao suicídio, e o impacto do tema nas emergências médicas.
Segundo Lunardi, o Congresso de Medicina de Emergência que acontece até o dia 29 de setembro em Campo Grande, revela uma abordagem multiprofissional e humanizada para pacientes em situações de risco, ressaltando que a prevenção e o acolhimento são essenciais para salvar vidas. Confira a entrevista na íntegra:
A Crítica: Como a senhora analisa hoje o cenário de suicídio no nosso País?
Dra. Camila: Nos últimos anos, houve claramente um aumento, que é multifatorial. Provavelmente, a exposição na mídia e as comparações que os jovens fazem constantemente com uma vida muitas vezes imaginária, que não corresponde à realidade vivida, são fatores que contribuem. Isso é comum, mas o crescimento não está restrito apenas aos jovens ou adultos jovens. Estamos vendo esse aumento em todas as faixas etárias, inclusive entre pessoas mais novas, que enfrentam situações de bullying e mal-estar na escola, o que provoca mudanças comportamentais. Além disso, há um aumento na população idosa, que muitas vezes se sente mais deprimida, especialmente após a pandemia, quando o isolamento se intensificou. Esse fenômeno se tornou praticamente uma epidemia, afetando todas as idades.
A Crítica: Os médicos hoje estão preparados para realizar um atendimento emergencial aos pacientes que tentam cometer suicídio?
Dra. Camila: Na verdade, o contato que temos com o paciente ocorre quando ele já tentou o autoextermínio. Não participamos dessa fase anterior de conhecimento ou reconhecimento dos sinais. Quando o paciente chega até nós, seja no serviço intra-hospitalar ou no pré-hospitalar, por meio das unidades de atendimento acionadas para esses casos, ele já tentou a autolesão. O nosso papel, como médicos emergencistas, é minimizar ao máximo os danos e evitar que o pior aconteça naquele momento. Porém, o médico de emergência também precisa ter uma visão mais ampla da situação. Quando o paciente chega a esse ponto extremo de atentar contra a própria vida, ele precisa ser acolhido. Além disso, o médico de emergência precisa identificar se o paciente ainda apresenta ideação suicida ou risco de tentar novamente, e, se for o caso, encaminhá-lo rapidamente para tratamento psiquiátrico ou psicológico, que será responsável pela continuidade do atendimento.
A Crítica: E em relação a parte em que o médico precisa lidar com o emocional dos pacientes, como que isso hoje é trabalhado?
Dra. Camila: Na medicina de emergência, existem duas fases. Muitas vezes, o médico emergencista é acionado ainda no atendimento pré-hospitalar, quando o paciente ainda não executou a tentativa de suicídio, mas está ameaçando, como quando está com uma faca, uma arma, ou em cima de uma ponte, por exemplo. Nesses momentos, o médico precisa demonstrar acolhimento e empatia para tentar evitar que o pior aconteça. No entanto, situações como essa são ocasionais. Na maioria dos casos, o médico está mais próximo de um bombeiro ou policial nessa função. Dentro do hospital, quando o paciente já chega após a tentativa, o mais importante que o médico precisa aprender é o não julgamento. É essencial tratar o paciente como alguém doente, muitas vezes com uma condição até mais grave do que outras já conhecidas, como um hipertenso que não segue o tratamento adequado. O paciente que tenta o autoextermínio, seja por automutilação, uso indevido de medicamentos, ou ingestão de veneno, deve ser acolhido sem julgamentos. O foco inicial é tratar a situação física, enquanto as causas que levaram a isso serão avaliadas posteriormente pelo psiquiatra. Esse acolhimento inicial é crucial para que o paciente confie na equipe médica.
A Crítica: Como que esse congresso está contribuindo para a preparação dos médicos?
Dra. Camila: Na verdade, o evento é aberto para poucos participantes, principalmente profissionais da área da saúde, como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais, compondo a equipe multiprofissional que atua no atendimento de emergência. Ontem foi o dia pré-congresso, com cursos específicos que duraram o dia todo, abordando temas como entubação, que é um dos procedimentos realizados pelo médico emergencista, bloqueio de nervos guiado por ultrassom, algo que nem sempre é de conhecimento geral, além de ultrassonografia para diagnóstico em sala de emergência. Também houve cursos de gestão em medicina de emergência, uma área importante, pois o médico emergencista não só presta assistência, mas também gerencia pronto-socorros e departamentos de emergência.
Hoje, iniciam-se oficialmente as palestras, que são bem mais diversificadas e abrangem uma grande variedade de temas, já que a medicina de emergência envolve todas as especialidades relacionadas ao paciente grave. Teremos palestras sobre emergências clínicas, cirúrgicas, psiquiátricas, pediátricas, ginecológicas, entre outras. É um evento muito interessante e diversificado. Antes, esses cursos e palestras estavam concentrados nas regiões litorâneas, especialmente no Norte, Nordeste e São Paulo, onde trazíamos convidados internacionais e os maiores nomes da medicina de emergência no Brasil. Agora, há uma preocupação em interiorizar esse conhecimento, levando para estados onde muitas vezes é preciso até explicar o que é a medicina de emergência, já que ainda é uma especialidade nova e em crescimento. Isso mostra a importância de ter um médico emergencista no atendimento inicial, impactando diretamente a sobrevivência dos pacientes.
A Crítica: E esse trabalho deve ser feito no ano inteiro, não é Dra. Camila?
Dra. Camila: sso mesmo. Nós temos vários projetos ao longo do ano. A associação é composta por diversas comissões, incluindo uma comissão de emergências psiquiátricas e outras focadas em trauma, cardiologia, procedimentos, entre outras áreas. Os eventos são organizados por essas comissões. Recentemente, tivemos um podcast sobre AVC, que foi muito importante para desmistificar o acidente vascular cerebral, já que sabemos que ele afeta uma grande parte da população.
Estamos também com projetos voltados para toxicologia, pois o médico emergencista lida diretamente com pacientes que sofrem qualquer tipo de intoxicação, não apenas as tentativas de suicídio, mas também as intoxicações involuntárias. Em áreas do interior, por exemplo, temos muitos casos de intoxicação agrícola, além de intoxicações acidentais com plantas e agrotóxicos, principalmente em crianças. Portanto, esse é outro ponto importante no qual trabalhamos, e o esforço de prevenção continua ao longo do ano.