Três brasileiros morrem em acidente de trânsito na França
De Mauriti a Saône: a última viagem de brasileiros que buscavam uma vida melhor
ACIDENTE NA FRANÇANa noite de domingo (15), enquanto o Brasil já se preparava para mais uma segunda-feira comum, do outro lado do Atlântico, numa pequena estrada na cidade de Saône, na França, a vida de quatro trabalhadores imigrantes terminou de forma abrupta. Três brasileiros e um cabo-verdiano, todos ligados à construção civil, perderam a vida quando o carro em que estavam saiu do controle e colidiu contra uma árvore. O impacto foi devastador: o motor do veículo, um Passat, foi arremessado para fora, e o velocímetro travou em 180 km/h. O limite de velocidade na estrada era de 50 km/h. Nenhum deles sobreviveu.
O acidente ocorreu na madrugada de segunda-feira, 16, no horário local (noite de domingo, 15, no horário de Brasília). As autoridades francesas, que ainda investigam as causas da tragédia, trabalham com a hipótese mais simples, porém fatal: a alta velocidade fez com que o motorista perdesse o controle do carro. É uma história que pode parecer banal, mas, para os que ficaram, é uma cicatriz aberta que não se fecha.
Velocidade e saudade: brasileiros que trabalhavam na França morrem em acidente.
Os rostos por trás das estatísticas - As vítimas não eram anônimos sem história. Eram brasileiros, migrantes, trabalhadores que buscavam na Europa uma vida melhor para suas famílias. Danílson de Souza Amaro, de 32 anos, nasceu em Mauriti, no Ceará. Era pedreiro, morava na França há mais de três anos e já tinha passado por Portugal. Deixa esposa e dois filhos pequenos, de 6 e 11 anos. O futuro que ele planejava para a família na Europa foi interrompido bruscamente.
Alexander Borges dos Santos, de 41 anos, era de Goiânia. Ele também buscou novas oportunidades na Europa, primeiro em Portugal e depois na França, onde trabalhava como pintor. Casado, era pai de três filhos, todos ainda no Brasil. A trajetória de Alexander, assim como a de Danílson, ecoa a de tantos outros brasileiros que deixam o país em busca de uma vida menos árdua.
Denivan de Paula Roberto, de 41 anos, também pedreiro, era o mais recente entre eles a chegar à França. Vindo de Brasília, ele se mudara para a Europa em setembro de 2022, deixando para trás a cidade goiana de Iporá. Sua esposa, Domingas, e o filho mais novo estavam na França para celebrar seu aniversário. Denivan faria 42 anos no próximo dia 27. A festa de família, preparada com carinho, jamais acontecerá.
A quarta vítima, Osvaldo Lima Monteiro, de 54 anos, era cabo-verdiano, mais um imigrante que trabalhava na construção civil na França. Como seus companheiros, vivia a vida dividida entre a saudade de casa e o sonho de dar uma vida melhor aos que ficaram.
O outro lado do mar - Há uma lógica cruel e silenciosa nas histórias de migração. Para muitos, a Europa representa a promessa de dias melhores, de salários dignos e de um futuro diferente. No entanto, longe dos clichês de uma vida glamorosa em Paris ou Roma, a realidade é outra. A rotina de trabalho pesado, os perigos da estrada e a distância de casa acabam se tornando o cenário comum de quem migra. Não foi diferente para Danílson, Alexander, Denivan e Osvaldo.
As autoridades francesas seguem investigando o que, de fato, aconteceu naquela madrugada. Mas as primeiras pistas apontam para um excesso de velocidade, algo tão corriqueiro quanto fatal. O Passat, desgovernado a 180 km/h, se chocou contra uma árvore numa estrada onde o limite era de 50 km/h. As famílias, ainda sem respostas completas, se deparam com uma burocracia impiedosa e o alto custo do translado dos corpos. Estima-se que trazer os quatro de volta ao Brasil vai custar cerca de R$ 100 mil, valor que as famílias tentam arrecadar em uma vaquinha.
O preço do retorno - A ideia de "voltar para casa" ganha um peso trágico nessas circunstâncias. A despedida de corpos é custosa – emocional e financeiramente. Para os amigos e parentes, resta a dor da perda, mas também a necessidade de juntar dinheiro, de correr contra o tempo para garantir que aqueles que partiram possam, pelo menos, descansar em solo brasileiro.
É uma história que, no papel, pode parecer mais um triste episódio entre tantos que se acumulam nas páginas dos jornais. Mas, para as famílias de Danílson, Alexander, Denivan e Osvaldo, ela se torna o marco de uma ausência que nunca será preenchida. Mais que um acidente de trânsito, é a colisão entre o sonho de uma vida melhor e a dura realidade de quem migra em busca de algo diferente.
Em algum ponto entre o Ceará, Goiás, Brasília e Cabo Verde, essa tragédia se desenrola, agora, em silêncio. O preço da busca por dias melhores, nesse caso, foi pago com as vidas que acabaram numa estrada francesa, longe de casa.