Cícero Cotrim e Caroline Aragaki | 22 de agosto de 2024 - 19h45

A alta de juros está na mesa, sim, e o BC não vai hesitar se for necessário, diz Galípolo

Cotado para assumir a presidência do Banco Central aproveitou participação no 32º Congresso e Expo Fenabrave para desconstruir os tópicos das suas falas que, segundo ele, o mercado teria interpretado erroneamente

DIRETOR DO BC
'A projeção do BC de inflação a 3,2% no horizonte de 18 meses está sim acima da meta e o crescimento da economia tem surpreendido', diz Galípolo - (Foto: Felipe Rau/Estadão)

Um eventual aumento da taxa Selic está entre as opções na mesa para o Comitê de Política Monetária (Copom), que não vai hesitar em fazê-lo se for o passo necessário para perseguir a meta de inflação, disse o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, nesta quinta-feira, 22.

"Eu espero que a gente tenha conseguido deixar claro que, a partir do cenário que nós temos hoje, a alta de juros está na mesa, sim, e que o Banco Central não vai hesitar, se for necessário, a perseguição da meta, fazer uma elevação de juros", ele disse, em um evento da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Indagado sobre os fatores "idiossincráticos" que teriam levado a uma performance pior do câmbio brasileiro - e se haveria alguma relação com o desempenho das contas públicas -, Galípolo disse que preferia não comentar sobre a política fiscal do País, mas elogiou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

"A gente reclama tanto com o ministro da Fazenda e das outras áreas sobre comentários eventualmente sobre política monetária, eu também não gostaria de extrapolar pelo outro lado a gente sendo comentarista de fiscal", disse. "A única coisa que eu posso dar o testemunho, e todos estão vendo, o tamanho do esforço que o meu amigo Fernando Haddad está fazendo e o tamanho do desgaste que ele está tendo ali e dedicação e comprometimento para conseguir alcançar o desejável equilíbrio fiscal."

Galípolo reforçou que, do ponto de vista da política monetária, cabe perseguir a meta de inflação com mais ou menos custo.

Crédito

As condições de crédito do Brasil ainda estão expansionistas, tendo crescido pelo sexto mês consecutivo acima da linha de dois dígitos, disse o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo.

Ele destacou que fundos multimercado tiveram uma performance difícil este ano. Isso, combinado a um desempenho fraco de ações, canalizou a liquidez para papéis de renda fixa, afirmou.

"Isso provocou um achatamento dos spreads pelo aumento de demanda", disse Galípolo. "É um tema que a gente tem observado e tem tentado comunicar nas nossas falas e comunicações sobre as preocupações com uma eventual abertura de taxa, como isso afeta as pessoas físicas e fundos que estão adquirindo papéis de renda fixa."

Relação com Lula

Gabriel Galípolo repetiu que nunca se sentiu constrangido ou influenciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou ao cargo. "O presidente Lula sempre assegurou de toda maneira a liberdade e a autonomia plena para os diretores do Banco Central, mas faz parte do processo que você esteja disponível a sofrer todo tipo de crítica".

Ele afirmou que uma "fala de um líder político" pode acontecer, mas "não necessariamente influenciará a decisão que vai ser feita dentro do Banco Central". E acrescentou que, na sua opinião, as críticas do governo têm sido feitas publicamente, o que é saudável.

Lula é crítico ao nível da taxa Selic, que considera alto. Em vários momentos, o chefe do Executivo afirmou que não há razão para manter os juros em 10,5%, nível em que está agora.

Quando citado como um nome cotado para suceder Roberto Campos Neto na presidência do BC, Galípolo apenas repetiu que a sucessão no comando da autarquia é um "não-tema" para os diretores. "A decisão é a decisão do presidente da República e que deve ser sancionada pelo Senado e é uma discussão que está estritamente nessas mesas", ele afirmou.

Inflação

A inflação corrente nesta quinta-feira, 22, está desconfortável, no teto da banda no acumulado em 12 meses, segundo o diretor de Política Monetária do Banco Central (BC).

Ainda assim, Galípolo pondera que "no longo prazo", comparando a situação atual do Brasil em relação ao momento em que o diretor do BC nasceu, em 1982, "a inflação está em patamar mais civilizado". O diretor do BC citou que naquela época tinha moratória e o Brasil não tinha reservas internacionais. Já atualmente, as reservas internacionais existem no Brasil e "fazem parte de conquista estrutural".

'Forward Guidance'

A discussão de fazer forward guidance ou não é sempre muito complexa, segundo o diretor de Política Monetária do Banco Central. No evento na FGV em São Paulo, ele afirmou, contudo, que o emprego do guidance durante o segundo semestre de 2023 foi importante e "reduziu bastante a volatilidade".

Segundo Galípolo, desde que o Copom largou o guidance, o horizonte "veio encurtando", com nível de volatilidade e incerteza bastante altos em diversas variáveis, com maior volatilidade no cenário externo.

Do ponto de vista externo, houve a reprecificação de juro nos Estados Unidos de maneira "muito abrupta". Contudo, o diretor do BC avalia que, por ora, "parece que visão mais próxima de soft landing nos EUA está se consolidando".

Já no cenário doméstico, Galípolo mencionou que a economia brasileira vem surpreendendo sistematicamente por estar mais dinâmica e resiliente do que o previsto, com revisões de PIB para cima e mercado de trabalho mais apertado. "Essa recorrência sugere maior cautela, maior receio", avalia.

O diretor do BC também afirmou que vê, no Brasil, crescimento de renda muito elevado, com desemprego no menor nível em 10 anos e revisões de projeções de PIB para cima de 2,5%. Contudo, segundo ele, "não é possível ainda identificar de maneira objetiva e clara repasse de mercado de trabalho para salários e preços".

Países emergentes

O diretor de Política Monetária do Banco Central afirmou que o aumento da dívida (a partir de esforço fiscal grande durante a pandemia de covid-19) e dos juros em economias avançadas tem impacto em países emergentes.

Para Galípolo, a expectativa é a de que o aumento do protecionismo nos Estados Unidos possa gerar uma pressão inflacionária. Com isso, a maior economia do mundo pode "ter que conviver com juro mais elevado". O aumento do protecionismo também pode levar a uma perda de dinamismo por parte da China, e talvez o país asiático "aproveite mercados abertos e exporte desinflação".

O diretor do BC afirmou ainda que o Brasil teve um desempenho pior que pares "por causa de idiossincrasias", ressaltando que a função do BC, pelas ações e comunicação, é demonstrar compromisso de perseguir a meta da inflação.

Autonomia do BC

Galípolo afirmou que a autonomia do Banco Central (BC) não significa fazer o que bem entender, como bem entender. Segundo ele, significa "poder cumprir sua meta".

"Autonomia do BC não significa virar as costas para a sociedade ou para o governo democraticamente eleito. Muito pelo contrário: a autonomia quer reforçar isso. A autonomia do BC é para cumprir a sua meta, que foi estabelecida pelo poder democraticamente eleito", disse Galípolo.

O diretor do BC disse que recebeu "uma série de memes ironizando uma divisão entre o presidente do BC, Roberto Campos Neto e eu".

Segundo Galípolo, "ainda que tenham perspectivas similares, cada diretor vai ter um estilo de comunicação e fala", mas "isso não provoca disputa entre diretores". Ele também afirmou que "Campos Neto tem zelo em preservar a institucionalidade do BC".

O diretor do BC se diz "até mais radical", exemplificando que, para ele, o BC não deveria votar na meta de inflação no Conselho Monetário Nacional (CMN). "Para mim, é estranho votar na meta que você mesmo vai perseguir."

Intervenção de câmbio

Gabriel Galípolo disse que a autarquia chegou "muito próxima" de intervir no mercado de câmbio durante o período mais agudo de desvalorização do real, mas acabou optando por não fazê-lo.

"Vários diretores, inclusive eu e o presidente Roberto Campos Neto, dissemos que só atuamos em função de alguma disfuncionalidade no mercado de câmbio, porque nós não perseguimos nenhum nível, nem patamar, de câmbio", afirmou.

Galípolo disse que parte do mercado interpretou erroneamente essa afirmação, considerando que o BC estaria "autorizando" apostas contra o real.

"De maneira nenhuma a gente quer passar uma ideia de que o BC não está analisando, pelo contrário: a gente dialoga com bastante frequência sobre como está se comportando o mercado de câmbio, sempre na linha de que a gente não tem nenhum tipo de defesa de nível, e sim de entender a funcionalidade do mercado", afirmou.