Ricardo Eugenio | 26 de junho de 2024 - 11h20

Advogado Gustavo Passarelli explica decisão do STF sobre prazo para criação de Lei do Pantanal

O STF reconheceu o Pantanal como de interesse nacional, similar à Mata Atlântica e à Amazônia, conforme o artigo 225 da Constituição Federal

REGULAMENTAÇÃO FEDERAL
O advogado Gustavo Passarelli em entrevista ao Giro Estadual de Notícias

Foi dado o prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional aprove uma lei específica destinada à proteção do Pantanal. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), é resultado de uma ação movida pela Procuradoria Geral da República (PGR), que acusou a União de omissão legislativa em relação ao bioma. O caso estava em análise na Corte desde o ano passado.

Em entrevista ao Giro Estadual de Notícias desta quarta-feira (26), o advogado Gustavo Passarelli explicou que a principal questão discutida era a competência para legislar sobre o Pantanal. "A Procuradoria-Geral da República argumentou que havia omissão por parte da União em criar uma lei para regulamentar o Pantanal, baseando-se no parágrafo quarto do artigo 225 da Constituição Federal", disse. Ele lembrou que o Código Florestal, de 2012, delega aos Estados a competência para legislar sobre o Pantanal, o que, inicialmente, fez com que muitos acreditassem que a ação não procederia.

Passarelli mencionou que a compreensão que prevaleceu no STF foi que, apesar dessa delegação aos Estados, a Constituição estabelece que o Pantanal é um patrimônio nacional, sendo, portanto, dever da União criar uma legislação federal. "Dois ministros, Zanin e Moraes, entenderam que não havia omissão, mas o entendimento majoritário foi que a União deve promulgar uma lei federal sobre o Pantanal dentro de 18 meses", comentou Passarelli. 

Pantanal sul-mato-grossense - (Foto: Arquivo)

O STF considerou que o Pantanal, assim como a Mata Atlântica (Lei 11.428, de 2006) e a Amazônia (Lei 14.757, de 2023), é de interesse nacional, conforme estabelece o artigo 225 da Constituição Federal. Embora existam legislações estaduais para a proteção do Pantanal em Mato Grosso (Lei 11.545, de 2021) e Mato Grosso do Sul (Lei 6.160, de 2023), a Corte entendeu que é necessária uma regulamentação federal para assegurar uma proteção uniforme e abrangente.

Sobre a demora do STF, o advogado apontou fatores cronológicos, como a tramitação da ação desde 2017 e a análise aprofundada das questões envolvidas. "Parte dessa demora se deve ao processo em si, que pode ser demorado. O Supremo realiza uma análise muito aprofundada, com debates intensos e longos", explicou. Ele também contextualizou sobre o Código Florestal, promulgado em 2012, que delega aos Estados a competência para legislar sobre o Pantanal.

"Em 2015, o governador Reinaldo Azambuja editou um decreto regulamentando a utilização do Pantanal, que é muito parecido com a legislação atualmente vigente, promulgada pelo governo estadual de Mato Grosso do Sul no início deste ano. Então, na verdade, já existia uma legislação desde 2015", relembra.

Quanto aos desafios jurídicos e ambientais na aprovação da lei, Passarelli enfatizou a importância da participação da sociedade organizada e do Congresso considerar as legislações estaduais vigentes. "É essencial que a nova legislação federal não seja incompatível com as legislações estaduais que já estão em vigor", afirmou, destacando a necessidade de evitar conflitos ou retrocessos em relação às normas estaduais que têm se mostrado eficazes. "É essencial que o Congresso olhe para as legislações estaduais vigentes, pois elas foram precedidas por um amplo debate visando à proteção e à sustentabilidade da exploração do Pantanal", explica.

O advogado Gustavo Passarelli em entrevista ao Giro Estadual de Notícias

Passarelli também comentou sobre a dificuldade de compatibilizar a proteção ambiental com o desenvolvimento. "No caso do Pantanal, a dificuldade é compatibilizar essa necessária proteção com a manutenção da exploração sustentável. É importante observar que o Pantanal tem características específicas que o diferenciam de outras áreas, como o Cerrado", disse, destacando que grande parte da proteção do Pantanal é feita pelos próprios moradores locais.

Ele observa que durante a elaboração da lei estadual, foi muito discutido que o Pantanal tem características específicas que o diferenciam de outras áreas, como o Cerrado. "No Cerrado, por exemplo, é possível uma exploração agrícola mais intensiva, com maior intervenção no meio ambiente, como desmatamento e abertura de áreas. Já no Pantanal, isso não ocorre da mesma forma, pois as áreas têm uma destinação de exploração muito específica. Havia uma preocupação em evitar a entrada da agricultura no Pantanal e a utilização de agrotóxicos, o que foi preservado pela legislação", complementa.

Passarelli destacou os avanços tecnológicos no monitoramento e fiscalização ambiental, que têm sido cruciais para a prevenção de desmatamentos e queimadas. "O Ministério Público e os órgãos ambientais utilizam fiscalizações por satélite para identificar focos de queimadas e desmatamento", disse, reforçando a importância de uma legislação que não crie empecilhos desnecessários para a exploração sustentável das atividades no Pantanal.

"Embora sempre existam desafios, especialmente em estados como o Mato Grosso do Sul, onde as áreas do Pantanal são vastas, a tecnologia tem ajudado enormemente na prevenção e controle. A proteção ao meio ambiente já é regulamentada de modo geral, e é dever do Estado buscar essa preservação", finaliza.

Votação no STF - O voto do ministro relator, André Mendonça, favorável à ação da PGR e aprovado por nove dos onze juízes da corte, apontou negligência e omissão do Congresso Nacional na proteção do Pantanal, estabelecendo o prazo.

A ação da PGR pedia ainda que a Lei da Mata Atlântica fosse adotada no Pantanal até que a nova legislação entrasse em vigor, mas o voto de André Mendonça não incluiu a medida.

No Senado, está em análise desde 2020 a proposta do senador Wellington Fagundes, do PL de Mato Grosso, que cria o Estatuto do Pantanal, também para regular a conservação, a restauração e a exploração sustentável do bioma. Em abril, durante audiência da Comissão de Meio Ambiente, Wellington Fagundes citou a ação movida pelos procuradores e pediu urgência na definição de normas que assegurem a proteção do Pantanal.

''Essa legislação é tão imperiosa que a Procuradoria-Geral da República chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal, sugerindo que fosse adotada para o Pantanal a legislação que hoje incide sobre a Mata Atlântica, dois biomas extremamente diferentes, com características próprias. Isso se deu pela omissão do Congresso Nacional em aprovar uma legislação própria para o nosso Pantanal. Portanto, é importante avançarmos nesse sentido", comentou o senador do Mato Grosso, Wellington Fagundes.

O voto de André Mendonça destaca que tanto Mato Grosso do Sul quanto Mato Grosso já promulgaram leis estaduais para a proteção do Pantanal, mas segundo o ministro, isso não exime a União de sua responsabilidade constitucional.

Para o senador Jayme Campos, do União de Mato Grosso, relator da proposta de Estatuto do Pantanal, a legislação que virá para proteger o bioma precisa levar em conta o homem pantaneiro, que habita a região há muitos anos e que, segundo ele, vem empobrecendo muito nos últimos tempos.

''Não podemos nos esquecer verdadeiramente daquelas pessoas que moram ali. Da forma que estavam pretendendo e querem fazer, o pantaneiro que conhece a real necessidade, ele não está inserido no contexto, que ali está se transformando em um verdadeiro bolsão de miséria. Eu falo pelo meu Estado de Mato Grosso", detalha.

Lei do Pantanal - Em dezembro do ano passado, o jornal A Crítica noticiou que o governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, sancionou a Lei do Pantanal, para promover a conservação, proteção, restauração e exploração sustentável do bioma. A legislação, elaborada em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), estabeleceu regras para cultivo agrícola, produção pecuária e cria um fundo para programas de pagamentos por serviços ambientais.

Assinatura da Lei do Pantanal aconteceu em dezembro do ano passado e contou com a presença das ministras Marina Silva e Simone Tebet - (Foto: Arquivo)

A Lei do Pantanal protege cerca de 9,7 milhões de hectares, exigindo que propriedades rurais preservem 50% das áreas com formações florestais e de Cerrado, e 40% onde há formações campestres. Também foi criado o Fundo Clima Pantanal para programas de pagamento por serviços ambientais, com prioridade para a proteção e recuperação de nascentes e cobertura vegetal em áreas degradadas.

A lei proíbe o confinamento bovino, exceto para criações já existentes e em situações excepcionais. Também veda cultivos agrícolas exóticos como soja e cana-de-açúcar, salvo para subsistência, e impede a expansão de cultivos existentes. Novos empreendimentos de carvoaria, construção de diques, drenos, barragens, pequenas centrais hidrelétricas e espécies exóticas de fauna também estão proibidos.