Dai a César o que é de César, e a Barbie o que é de Barbie
Firmino Cortada (*)
ARTIGOHá algum tempo, fui com muita sede ao pote assistir à versão cinematográfica do musical Cats e detestei, como a maioria das pessoas. O mesmo motivo que faz de Cats algo a ser esquecido é o que faz do filme da boneca mais famosa do mundo ser consagrado.
A Barbie tem uma linguagem própria que não é a linguagem do cinema, é uma linguagem teatral. Em qualquer outro filme, esse recurso teatral estragaria o projeto, mas em Barbie, é o seu segredo. A TV e, principalmente, o cinema, têm o realismo como base. Se há uma personagem mulher tomando o café da manhã, eu preciso ver a mesa e os itens da mesa. Ela não pode pegar uma caneta e fingir ser uma faca porque o veículo trabalha com o ultra-realismo como base.
Em Barbie, essa linguagem não incomoda, e vai além, fascina. Como pode? A resposta é que o projeto não se leva a sério. A diretora, Greta Gerwing, faz isso com maestria. Ela, em sua genialidade, faz com que o mundo de Barbie (Barbieland) seja exatamente como a imaginação de uma menina ou de um menino. Ela se comporta conforme nós brincávamos. Esse é o segredo do filme.
O espectador irá vibrar com esse recurso por dois motivos. Primeiro, pela oportunidade de experimentar uma sensação nova após tantos anos assistindo filmes. Tantos gêneros, tantas sagas... Pela primeira vez, o teatro na telona não fica ridículo. Ou melhor, fica, mas fica com uma habilidade absurda. E, segundo, porque o objetivo do projeto com esse recurso é proporcionar ao espectador uma viagem ao tempo exatamente como ele brincou.
A Barbie troca de roupa com um olhar, come "comidinha", anda na ponta dos pés, nada em piscinas imaginárias sem água... A impressão é de que estamos na cabeça de uma criança e que delícia que é estar ali.
Como poderia eu traduzir em um parágrafo tantas críticas sociais sem dar spoilers? Barbie brinca com o patriarcado, coloca o sexo masculino no lugar que a mulher ocupa. Sim, em "Barbieland", quem manda são as mulheres. Mulheres governam para mulheres. Homens são apenas um detalhe, uma base para que mulheres possam brilhar. Sabe aquela expressão: "Atrás de todo grande homem, existe uma grande mulher"? Pois, atrás de toda grande Barbie, existe um Ken. Entretanto, ele é apenas um detalhe. A grande e maior crítica é o patriarcado. Se eu for além, dou spoilers, e não quero estragar a sua experiência.
Existem pontos que excedem a definição de "excelente" nesse filme. Um tapete deve ser estendido para o nosso Ken, Ryan Gosling. Ele vestiu a camisa do "hétero top" mais amado do mundo. Sua crise existencial é a base de uma crise que toda e qualquer mulher já enfrentou, a de estar submissa a um homem. No filme, ele engole esse papel com maestria. Margot Robbie é a boneca mais amada do mundo, aquela que representa tantas profissões. Ela nasceu porque as mulheres são muito mais do que apenas "step" do marido, mãe e dona de casa. Elas são presidentes, médicas, pilotos. Elas são o que quiserem ser.
O filme brinca com cenários e figurinos que estão no imaginário de qualquer criança. Existe a casa dos sonhos, lancha, foguete, trailer, mar, espaço. Quem não teve um, sonhou em ter. O filme faz com que todas essas crianças adormecidas agora tenham.
*Firmino Cortada, empresário e professor de inglês.