Quase uma lenda pantaneira, o oficial Laurentino viveu histórias dignas de novela
Infelizmente o personagem desta história faleceu na última quinta-feira, dia 18 de agosto
LEGADONascido em Rio Verde de Mato Grosso, no longínquo ano de 1942, Laurentino Gomes da Silva não imaginava que um dia trabalharia no Poder Judiciário. De família humilde, ele tocava uma tinturaria com seu irmão e levava uma vida simples de interior. Mas quando resolveu mudar para Coxim, já nos seus 30 anos, o destino apresentou a ele a oportunidade de seguir por um caminho mais emocionante e ele não teve dúvidas ao decidir trilhá-lo.
“Eu jogava bastante futebol no time da cidade e nas partidas conheci vários Juízes, que depois se tornaram Desembargadores, entre eles o Dr. Otair da Cruz Bandeira, que depois foi até presidente do TJMT, e o Desembargador Luiz Gonzaga Mendes Marques. Eles me convidaram para ser oficial de justiça ad hoc. Só depois que prestei o concurso, mas quando me chamaram eu já resolvi aceitar. Só não tinha muita noção do trabalho puxado que era”, conta Laurentino aos risos.
Nos idos de 1973, ano em que ingressou na carreira que viria a se aposentar, o interior do então Mato Grosso era um lugar com condições muito mais adversas. De repente Laurentino se viu saindo do salão de sua tinturaria e desbravando as ´estradas´ (se assim poderiam ser chamadas) para diversos municípios da região, já que ficou responsável pelo cumprimento de mandados em vários deles, como sua terra natal, Sonora, Pedro Gomes, para citar alguns poucos exemplos.
“Várias vezes fazíamos as diligências de carroça, até a cavalo. Algumas vezes de trator também. E foi assim até que o Desembargador Rêmolo Letteriello adquiriu pra gente um fusquinha, o que foi uma festa na época”.
Antes da comarca ter seu próprio veículo, Laurentino narra que, certa vez, teve que cumprir uma diligência em uma fazenda perto da cabeceira do rio Taquari. Para isso, foi de ônibus com um colega até Pedro Gomes e lá pegou emprestado uma caminhonete com um conhecido. Mandado entregue, os dois oficiais faziam o percurso da volta, quando, já tarde da noite e debaixo de chuva, o combustível acabou. Entre ficar no local até amanhecer e já voltar a pé, ambos preferiram enfrentar a escuridão, a água torrencial e, claro, o medo de caminharem sozinhos em um lugar isolado, correndo o risco de encontrarem algum animal ou, quem sabe, uma das lendas do Pantanal, tão fortes naquela época.
E por falar em lendas, não é só em novela da televisão que se pode vê-las. Se nas tramas televisivas mulher pode se transformar em onça ou um velho virar uma sucuri, o oficial Laurentino também tem suas proezas. Ou pelo menos, é o que ele mesmo afirma.
“Eu e um colega oficial tínhamos um mandado para cumprir do outro lado do rio, na divisa entre Coxim e Rio Verde. Nós estávamos a cavalo e chegamos em um ponto do rio que não tinha como passar. Mas nós vimos um barqueiro, que chamava Bira, e pedimos para ele atravessar a gente, só que ele não quis. Se fôssemos contornar, íamos ter que andar mais uns 20 km até a primeira ponte. Enquanto a gente pensava no que fazer, eu vi um peixe bem grande, devia ter um metro e meio. Estava amarrado em uma árvore na margem do rio. Foi aí que tive a ideia. Eu e meu colega desamarramos o peixe, montamos nele e atravessamos o rio!”.
Claro que foi solicitado para que ele confirmasse se, de fato, tinha cruzado um rio na garupa de um peixe. “Sim! Aí amarramos ele do outro lado, e na volta montamos de novo!”. Indagado se o parceiro de aventura poderia confirmar a façanha, Laurentino, que até então contava a história com uma seriedade ímpar, finalmente caiu na risada. “Pode perguntar pra ele, mas não lembro o nome dele agora para dizer para você”.
Como a história é boa, só resta aceitar a dúvida e o mistério da história desse oficial de justiça um tanto quanto espirituoso.
E assim Laurentino passou 40 anos trabalhando como oficial de justiça até se aposentar aos 70 anos de idade. Hoje, com 80 primaveras, ele voltou para a vida simples de interior, em sua casa em Coxim, ao lado da esposa com quem está casado há 40 anos e recebendo visitas dos filhos e netos que, com certeza, já ouviram essas e muitas outras histórias.
* Infelizmente o personagem desta história faleceu na última quinta-feira, dia 18 de agosto.
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