Da Redação | 06 de julho de 2022 - 17h05

"Entendo que o combate à corrupção não ficará enfraquecido com a nova legislação"

O advogado administrativista e presidente do IDAMS, João Paulo Lacerda da Silva, detalha as mudanças que a "Nova Lei de Improbidade Administrativa" trará para os operadores do Direito

JOÃO PAULO LACERDA
João Paulo Lacerda da Silva, presidente do IDAMS - (Foto: Divulgação)

Em 26 de outubro de 2021, entrou em vigor a Lei Federal nº 14.230/2021, que alterou a Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa, sendo chamada de “Nova Lei de Improbidade Administrativa”. Para detalhá-la melhor, o advogado administrativista João Paulo Lacerda da Silva, que é presidente do IDAMS (Instituto de Direito Administrativo de Mato Grosso do Sul), conselheiro do IBDA (Instituto Brasileiro de Direito Administrativo), associado à ANATRICON (Associação Nacional dos Advogados nos Tribunais de Contas) e membro do IDASAN (Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro), concedeu entrevista esclarecedora sobre o assunto.

Especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP e em Direito Público com ênfase em Magistério Superior pela UNISUL, além de pós-graduado em Direito Municipal e em Direito Eleitoral, João Paulo Lacerda ressalta que, após acompanhar o desenvolvimento da atuação dos tribunais pátrios sobre a matéria, em especial do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e do TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), é possível inferir que, em que pesem os acalorados debates desenvolvidos nesta seara, a Lei Federal nº 14.230/2021 já é uma realidade nas instâncias ordinárias.

“Constatamos que, paulatinamente, os julgados vêm sedimentando a aplicação da Nova Lei de Improbidade no que se refere à incidência de preceitos do Direito Administrativo Sancionador ao regime jurídico dos atos de improbidade administrativa, posição que, mesmo anteriormente à superveniência da Lei Federal nº 14.230/2021, já era encampada na esfera dos Tribunais Superiores, com sólida construção jurisprudencial, sobretudo, no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça)”, pontuou o advogado administrativista.

“A lei de improbidade administrativa vigora há 30 anos. Foi sancionada em outro momento pela República Federativa do Brasil. Precisava, assim como as demais legislações, de aperfeiçoamento. Sem dúvida que estamos vivendo um outro momento, e o que é objeto de crítica na atual legislação, precisava ser mudado, até mesmo para se adequar a jurisprudência”, completou João Paulo Lacerda, ressaltando que foi reconhecida a Repercussão Geral no Tema 1.199 do STF (Supremo Tribunal Federal).

Ele detalha que se decidirá sobre a (IR) RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, com relação aos seguintes pontos: a necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente. “O presidente do STF, ministro Luiz Fux, marcou para o dia 3 de agosto o julgamento que vai definir se as alterações na lei de improbidade administrativa inseridas pela lei nº 14.230/21 podem ser aplicadas retroativamente”, informou.

Com a entrada em vigor da denominada “Nova Lei de Improbidade Administrativa”, podemos dizer que o combate à corrupção ficou enfraquecido?
Com todo o respeito a quem pensa de maneira diferente, entendo que o combate à corrupção não ficará enfraquecido com a nova legislação. Corrupção sempre foi e continua sendo crime, nos termos da legislação penal em vigor. Quem cometer corrupção na administração pública continuará a ser punido. Essa narrativa de que o Ministério Público está de mãos atadas com a nova lei não deve prosperar. Com a nova lei, houve um aperfeiçoamento e uma modernização na legislação, que acabou de completar 30 anos.

Vários administrativistas vêm escrevendo sobre o “Direito Administrativo do medo” e a “síndrome do apagão das canetas”. Pode nos dizer, de forma simplificada, o que isso quer dizer?
Ser gestor público ordenador de despesas não é uma tarefa fácil. Tomar decisões diariamente (a todo o momento) torna- se muito oneroso. No Brasil, o que se percebe é que houve um grande aperfeiçoamento dos órgãos de controle (Tribunais de Contas) e do próprio Ministério Público. Dessa forma, o administrador público, com medo de ser implicado, está cada vez mais desistindo de decidir. O gestor entende que é melhor não decidir, do que ser arrolado em uma ação judicial depois. O medo de sofrer ações na Justiça, ter os bens indisponibilizados afasta os bons gestores da política.

A nova legislação – que não é mais tão nova assim – trouxe a necessidade de “DOLO” para a caracterização do ato de improbidade administrativa. O que isso quer dizer?
A nova lei traz a definição de dolo, como sendo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, não bastando a voluntariedade do agente. É necessário querer o resultado ilícito. O simples erro não pode ser considerado com improbidade administrativa. É necessário verificar se o agente realmente queria fazer o mal feito.

A lei já está sendo efetivamente aplicada pelos juízes de 1° e 2° graus?
Sim, a nova lei de improbidade administrativa já é uma realidade. Em várias decisões, o nosso Tribunal de Justiça tem aplicado a nova lei, o que é um grande avanço. À título de exemplo, podemos destacar precedente pioneiro do Tribunal de Justiça sul-mato-grossense, em sede do qual houve aplicação da Lei nº 14.230/2021 para excluir, na espécie, a sanção de suspensão de direitos políticos, vez que a nova lei revogou tal possibilidade [suspensão dos direitos políticos] quanto aos atos atentatório aos Princípios da Administração Pública. Em outro sentido, citamos precedente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em que sua 3ª Câmara de Direito Público consignou expressamente a necessidade de caracterização do dolo específico. Também destaco caso paradigmático da comarca de Aquidauana em que a Justiça Estadual do Mato Grosso do Sul, em primeiro grau, julgou improcedente uma ação de improbidade administrativa após o próprio membro do Ministério Público manifestar-se pela insubsistência, frente às inovações da Lei de Improbidade Administrativa, de fundamentos para condenação naquele caso específico.

Muito se fala que após a “nova Lei”, o gestor não será mais punido pela prática de ato de improbidade por violação a princípios da administração. Isso é verdade?
A nova lei trouxe de forma clara quais são as condutas que atentam contra os princípios da administração pública e que caracterizam improbidade administrativa. Anteriormente, o conceito de ferir princípios da administração pública era muito amplo, tanto é que a legislação revogada trazia que era considerada improbidade administrativa qualquer ação ou omissão, sem trazer as hipóteses. A nova lei corrigiu isso.

A prática de ato de improbidade administrativa decorrente de nepotismo agora está regulamentada na lei?
Na verdade, a lei trouxe de forma expressa o que já era previsto na súmula vinculante 13 do STF, não se configurando improbidade administrativa as nomeações e indicações para cargos políticos (secretários, por exemplo), sendo necessário, neste caso, a aferição do dolo.  

Como fica agora a questão da indisponibilidade dos bens de quem comete ato de improbidade administrativa?
Essa questão precisava de aperfeiçoamento. Como advogado, vi muitas empresas quebrarem porque tiveram contratos administrativos com a administração pública questionados e por isso a empresa e seus sócios tiveram seus bens indisponibilizados. Com a alteração, para a decretação da indisponibilidade de bens é necessária a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco, a oitiva do réu previamente ou apresentação de justificativa pela não oitiva do réu, os somatório dos valores indisponibilizados não poderá superar o valor da petição inicial no caso de vários réus, a indisponibilidade não incidirá sobre valores de multa civil, haverá ordem de bloqueio: primeiro veículos, bens móveis, semoventes, ações, só depois a conta bancária, há a vedação de indisponibilidade de até 40 salários mínimos depositados em caderneta de poupança, em aplicações financeiras ou conta corrente, fica também vedada a indisponibilidade de bem de família do réu, salvo se comprovado ser fruto de improbidade.