Viviane Feitosa | 24 de junho de 2022 - 15h49

Criança não é mãe - O que o caso da menina de SC pode nos ensinar

Líbera Copetti (*)

OPINIÃO
Líbera Copetti é Advogada, Professora, Presidente do IBDFAM/MS (Instituto Brasileiro de Direito de Família) - (FOTO: Reprodução)

Foi extensamente veiculado em todas as mídias nos últimos dias o caso de uma criança de 11 anos, vítima de violência sexual, cuja violência decorreu em uma gravidez. Sua família, ao buscar o hospital para realizar o aborto (permitido em tais situações), teve seu pedido negado pelo Hospital Universitário de Florianópolis, uma vez que, segundo a entidade, não poderia realizar tal procedimento porque a gestação já ultrapassava 22 semanas.

O caso foi judicializado, e a Magistrada que conduziu o caso em questão, assim como a promotora, tentaram induzir a menina e sua família a desistir do referido procedimento, para que “ficasse mais um pouquinho”, a fim de que o bebê fosse encaminhado para eventual adoção. Da mesma forma, retiram a criança de sua família, encaminhando-a para um abrigo público. Várias foram as violências praticadas em detrimento dessa criança.

Diversas foram as ilegalidades perpetradas. Infelizmente, a gravidade da situação não se refere apenas à violência sexual sofrida pela criança, mas igualmente à violência institucional pela qual fora submetida.  Trata-se de uma situação gravíssima que não pode se repetir, fazendo-se imperioso pontuar algumas questões técnicas atinentes ao caso, para que possamos refletir, com informação ausente de pré-conceitos pessoais ou morais.

O primeiro ponto a esclarecer refere-se ao fato de que, segundo o artigo 2. do ECA, considera-se criança a pessoa até doze anos incompletos, cujo sistema de garantias Constitucionais determina a proteção integral e prioridade absoluta.

Da mesma forma, segundo o artigo 217-A do Código Penal, é considerado estupro qualquer relação sexual ou ato libidinoso com menor de 14 anos, independentemente de consentimento. Segundo aspecto, reside no fato de que a Lei Brasileira, mais especificamente o artigo 128 do Código Penal, permite o aborto legal em três casos: anencefalia fetal, gravidez que coloca em risco a vida da gestante e gravidez resultante de estupro.

No caso em questão, não apenas a gravidez era resultante de estupro, mas igualmente colocava a vida da criança em risco. Terceiro aspecto reside no fato de que a legislação Brasileira nada diz a respeito da idade gestacional, ou seja, não impõe limite ou prazo para a realização do aborto legal, e, portanto, não poderia referido hospital ter se negado a realizar referido procedimento.

Não caberia ao hospital recusar-se a realizar referido procedimento se assim a responsável legal (mãe) que representa a criança e que possui poder familiar, assim o deseja.

O quarto e último aspecto reside na violência institucional pela qual a criança fora submetida, demonstrando o despreparo ante tais situações. Não cabe ao juiz ou qualquer pessoa integrante do poder judiciário impor suas crenças e opiniões pessoais a qualquer jurisdicionado. Há uma lei e esta deve ser cumprida. Da mesma forma, não caberia a institucionalização de uma criança em um abrigo em tal situação. Trata-se de uma revitimização gravíssima. Não estamos de forma alguma defendendo o aborto.

Estamos defendendo os direitos violados de uma criança pelo próprio sistema que deveria protegê-la, uma vez que, segundo artigo 227 da Constituição Federal, é função/dever da família, da sociedade e do Estado. “Assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Trata-se de uma reflexão que toda a sociedade deve encarar, livre de preconceitos, dogmas ou convicções pessoais.

Nenhuma criança pode ser submetida a qualquer espécie de violência, em especial, daqueles que têm o dever de protegê-la. Podemos discordar quanto aos aspectos éticos e religiosos desta questão tão complexa e sensível que é o aborto. Entretanto, temos que concordar em um único ponto: criança não é mãe. Não pode ser mãe, e, é nosso dever salvaguardá-la de toda e qualquer violência e opressão.

 

Líbera Copetti Advogada, Professora, Presidente do IBDFAM/MS (Instituto Brasileiro de Direito de Família)