"Viemos para quebrar tabus, principalmente as mulheres", ressalta artista indígena de MS
Sua arte se destaca nas pinturas étnicas típicas do povo kadiwéu e produção de peças de confecção, artesanato e artes plásticas
CULTURA KADIWÉUA estilista Benilda Vergílio, mais conhecida como Benilda Kadiwéu da aldeia Alves de Barros, próximo ao município de Porto Murtinho, está ganhando destaque nacional. Além de ativista pelos direitos dos povos indígenas, ela é propagadora da arte Kadiwéu. Sua arte se destaca nas pinturas étnicas típicas do povo kadiwéu e produção de peças de confecção, artesanato e artes plásticas.
Formada em design pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), participou de diversos desfiles de moda, onde expôs seus trabalhos artísticos com roupas. Já tendo vestido grandes personalidades do país, como o DJ Alok e a atriz Eunice Baía. O que a levou a fazer a faculdade de design, foi uma situação presenciada por ela ainda com 10 anos de idade. “Quando cheguei à cidade de Bodoquena, foi ali que vi duas parentes indígenas com vaso na cabeça batendo de porta em porta para trocar por roupas. Vi a situação e pensei que teria que fazer alguma coisa para chamar a atenção do Brasil de como o indígena é tratado. Ter uma visibilidade para meu povo e para essas explorações que acontecem”.
Beni relata a visão ainda errada que as pessoas tem sobre os indigenas, e reforça seu trabalho de desconstrução da imagem esterotipada. “A primeira ideia de representar meu povo foi tentar passar para sociedade em geral o que é ser Kadiwéu, quem foram os kadwéus, quem são. Nos livros tinha aquele indiozinho com peninha na cabeça e tanguinha, então isso ficou marcado na História do Brasil. Mas agora isso está mudando, a gente já começa a ver a diferença. Nunca foi contato o que realmente é o índio, estou falando especificamente do povo Kadwéu. Nem todo indígena usa o cocar na cabeça, tem o significado usar o cocar, não é qualquer pessoa que pode usar, tem que ser um líder, um pajé”.
A artista já passou por situações constrangedoras. "Fui em uma festa com uma roupa diferente e me perguntaram onde estava o cocar. Foi ali que eu parei e expliquei sobre as especificidades, não fico chateada, quando eu posso eu vou desconstruindo, explicando que o cocar é sagrado e a etnia Kadiwéu não usa cocar. Você ouve coisa que não queria ouvir, eu sempre convido a pessoa para conversar e conhecer a realidade".
Arte sendo reconhecida
Beni se sente reconhecida hoje pela sua arte, que atualmente não tem problemas para vender seus produtos, mas sim produzi-los. "É muita encomenda para fora, estou sobrevivendo com isso, eu me sinto muito bem fazendo arte, mas dentro da aldeias com o povo Kadiwéu vendendo o artesanato é contra os exploradores que pedem paras as mulheres trazerem as cerâmicas até a cidade e querem sempre com desconto, isso não é legal".
Uma arte que elas levam uma semana para terminar
Os produtos que mais saem são vestidos e camisetas feito especialmente para a pessoa. "São peça exclusivas, eu faço a leitura da pessoas, pesquiso sobre ela, pois faço encomenda, isso é um diferencial, não faço em grandes escala, aceito pedidos faço o grafismo que tem a ver com a pessoa".
Beni recebeu o convite para participar Brasil Eco Fashion Week que será em São Paulo, acredita que seja sua grande oportunidade para visibilibilidade internacional. Dessa forma, mostrando suas coleções com riqueza de grafismo e cores que se referem aos rituais e festividades de seu povo.
Beni conta que desde pequena sentiu a importância de divulgar a cultura indígena, através de seus grafismos em artefatos artísticos
Cada etnia tem seu grafismo e suas especificidades. "Eu não posso reproduzir o grafismo Terena porque isso é deles, eu vou me sentir mal se algum indigena ou não indigena reproduzindo nossa arte, é uma apropriação cultural, porque tudo tem significado, cada família tem seus traços, eu consigo definir quando eu olho para a cerâmica de quem é a peça. Então eu não posso me apropriar do que não é meu”.
O processo artístico para a criação dos grafismo remete a ancestralidade. "É como se tivesse um régua imaginária, enquanto o arquiteto precisa de um computador para calcular, já o indígena faz de cabeça, o que vem na cabeça, a medida é por olho nu, não tem fita métrica, eu vejo assim, que o povo Kadiwéu é muito inteligente para produzir essas peças, ainda é muito forte essa ancestralidade".
Atualmente a população indígena está em 80.459 habitantes presentes em 29 municípios, e umas das lutas atuais do povos indigenas é o reconhecimento e valorização da arte. "Parte de nós não aceitarmos migalhas para fazer trabalhos artísticos, você tem que se valorizar primeiro para ser valorizado. Eu procuro incentivar também as pessoas que estão começando agora de não vender seu trabalho a preço de banana. Ser artista indígena é descontruir um modelo antigo de modos implantados pela sociedade. É lutar contra exploração. É a defesa de um povo e empoderamento, é lutar pela salva guarda dos povos Indígenas costumes, tradições e modos. É quebrar tabus!”