Das ruas de Maracaju aos campos da Europa: a história de Douglas Gund
Atacante maracajuense do time B do Paris Saint-Germain vendeu até rifas para realizar sonho de ser jogador de futebol
DO INTERIOR DE MS“Pula, pula, cai, levanta; Sobe, desce, corre, chuta abra espaço; Vibra e agradece; Olha que a cidade toda ficou vazia; Nessa tarde bonita só pra te ver jogar…”. Esse trecho da música de Jorge Ben Jor nomeada de ‘Ponta de Lança’ cita algumas funções de jogadores e o envolvimento da torcida para ir a um campo para ver 22 tipos correrem por uma bola e nos emocionar. Porém, ela não conta o que o jogador fez para chegar ao ponto de vibrar e agradecer. A corrida de 50 metros em um contra-ataque é irrisória perto das caminhadas dos começos de carreira.
Douglas Alves Gund, ou simplesmente Douglas Gund, tem 25 anos e nasceu no interior de Mato Grosso do Sul na cidade de Maracaju - a cerca de 150 km de Campo Grande. Em muitas matérias sobre atletas que chegam ao profissional, observamos as dificuldades, as tristezas, os desapegos para simplesmente jogar futebol. No entanto, o esporte, especialmente o futebol para o brasileiro e sul-americanos em geral, é transcendente. Uma dúvida, você andaria quilômetros todos os dias para pedir recursos, vender rifas ou qualquer outro desafio pelo seu sonho?
Douglas fez assim como tantos jogadores que saem das classes mais baixas ao estrelato. Outros tantos fazem o mesmo e não têm a mesma sorte. Todos os dias temos ‘Douglas’ sendo perdidos pela falta de oportunidades, investimentos ou azar. Hoje no time B do Paris Saint-Germain, o atacante surgiu no futebol de MS e passou pelos principais centros do Brasil como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais desde quando tinha 12 anos.
Início é sempre difícil, não tem muita gente que vê futuro nisso. Como a gente sabe, é muito fechada a cabeça do povo. Correr sozinho é bem difícil sem ter uma ‘mão’ - Douglas Gund
Ele chegou a França graças a um amigo que conseguiu gerar a oportunidade. “Eu vou para França e quando tiver a oportunidade de te levar, você vai”, dizia Luiz Felipe, amigo de Douglas. A porta para a Europa se abriu, mas a estrada para o futebol francês só estava começando.
Douglas conta que andava quilômetros por dia, batendo às portas de quem podia ajudá-lo a conseguir os recursos para viajar. Apesar de muita gente duvidar, até familiares desacreditarem, ele foi resiliente. Um sonho que só ele acreditava virou realidade depois de muitas caminhadas, pedidos, negativas e outros ‘sins’. Era hora de ir à França.
Douglas jogou na várzea e hoje está em uma estrutura dos principais clubes da Europa
Gund relata que teve dificuldades em adaptação por conta da língua, moradia e que sua carreira lá começou como amador, ou seja, sem contrato profissional e salário. Mesmo com a ‘várzea’, ele se deslumbrou com a estrutura dos campos e competições. Nesse primeiro período, conseguiu se destacar e os jogos ‘de graça’ começaram a ganhar pagamentos em euro, seja por jogar ou por gols.
“Cheguei aqui na França jogando amador. É tudo diferente, não entendia nada que os caras falavam”. - Douglas Gund
A ida ao PSG foi depois que o descobriram jogando os campeonatos amadores. Mas o contrato profissional atrasou por conta da pandemia e outras questões de documento. Na temporada 2021/2022, ele virou oficialmente atleta do mesmo clube que Neymar, Lionel Messi, Kylian Mbappe, dentre outros craques. Era a realização de um dos sonhos daquele menino que andava nas ruas de Maracaju.
Apesar de partilharem as mesmas estruturas no time francês, Douglas conta que a convivência com atletas do time principal é distante. “Minha convivência com Neymar é distante, eu jogo na equipe reserva. A gente treina em horários diferentes”.
Douglas jogando pelo time B do PSG
Um dos objetivos dele é reduzir essa distância e chegar ao plantel principal do PSG. Com 25 anos, Douglas sonha em conquistar muito ainda na carreira. “Acredito que eu vou chegar muito longe se Deus quiser. Meu objetivo é treinar com Messi, Neymar, jogar a Champions League, e chegar à Seleção”.
Sobre a relação local com os franceses, o maracajuense disse que fora de Paris, mesmo jogando pelo time B, eles recebem muita atenção, especialmente dos jovens. “Quando vamos jogar em lugares fora de Paris, as crianças tratam a gente muito diferente, com outros olhos. Muito brilho. Eu nunca tinha passado por isso no Brasil. Mesmo aqui na França quando cheguei”.
Um tempo atrás fui jogar aqui, descemos do ônibus e cheio de gente querendo autógrafo e camisa. É gratificante.” - Douglas Gund
Douglas citou que sente saudades dos elementos da cultura de Mato Grosso do Sul como o tereré e o calor humano dos brasileiros. “Maracaju é pequena e toda hora você está na casa de seus parentes e amigos”.
Ele também criticou a falta de atenção ao futebol sul-mato-grossense. “O futebol sul-mato-grossense carece de investimentos, organização, mas nós temos grandes talentos. Infelizmente temos poucas organizações e pouco investimento em nosso futebol”.
Por fim, deixou uma mensagem para que as pessoas não desistam de seus sonhos, vontades e desejos especialmente para os atletas que hoje jogam nos chamados ‘terrões’. Aqui na França tem terrão e eu joguei aqui. “Não se sinta para baixo por jogar em terrão, eu daria tudo de novo para voltar a essa época. Aproveita a vida, sonha alto e busca bons exemplos e não deixe que as pessoas limitem seus sonhos”.
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