Escritura que fixa regime de bens em união estável não retroage, decide turma do STJ
No caso de Mato Grosso do Sul, as filhas de uma mulher queriam entrar na linha de sucessão da mãe pelo patrimônio que ela construiu ao longo de 35 anos de união estável com o padrasto
DECISÃOA união estável, regida pelo regime da comunhão parcial de bens, não depende de formalização e, mesmo que feita a escritura pública modificando o regime de bens, seus efeitos não são retroativos. Essa foi a decisão recente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No caso de Mato Grosso do Sul, as filhas de uma mulher queriam entrar na linha de sucessão da mãe pelo patrimônio que ela construiu ao longo de 35 anos de união estável com o padrasto. Elas buscavam a anulação da escritura de união estável de 2015, feita pelo casal três meses antes da morte da companheira, e que indicava a incomunicabilidade de bens dos conviventes. A última, que tinha sido lavrada em 2012 era pelo regime de comunhão parcial de bens. Para elas, a mãe não estava bem de saúde quando aceitou assinar a união estável em 2015.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) analisou os fatos e entendeu que a mulher tinha um problema cardíaco, mas que não prejudicava as faculdades mentais. Por isso, decidiu pela impossibilidade de anulação da escritura. O TJMS também afastou a tese de irretroatividade da escritura pública, por entender que se tratava de uma declaração dos conviventes que tão-somente constatou o regime de bens que teria pautado a relação desde o seu início.
Todavia, no julgamento perante o STJ, no voto vencedor, a ministra Nancy Andrighi explicou que a união estável não depende de formalização. O artigo 1.725 do Código Civil indica que, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Assim, ao lavrar escritura pública em 2015 definindo a separação total de bens para aquela união estável, o casal modificou esse regime, pois a união estável será regida pelo regime da comunhão parcial enquanto não houver contrato escrito que diga ser ela regida por regime distinto.
No caso em questão, defendido pelos advogados Roberto Cunha e Bruno Galeano Mourão, que apresentaram memoriais e realizaram a sustentação oral perante aquela Corte Superior, o casal só definiu regime de separação total de bens após 35 anos de união estável.
A decisão, segundo Roberto Cunha, segue uma tese que vem sendo mantida pelo STJ, no sentido de que a mudança do regime de bens em união estável não pode ter efeitos retroativos. "O julgamento consolida o tema da irretroatividade da declaração de incomunicabilidade patrimonial, cujo caso concreto carecia de jurisprudência específica e definição sobre a matéria. A declaração, em escritura pública, que modifica o regime de comunhão parcial de bens para o regime da separação total de bens não pode ter o condão de atingir fatos pretéritos, sob pena de malferir a segurança jurídica e eventuais direitos de terceiros consolidados ao longo de anos e anos de um relacionamento more uxorio".
O advogado Bruno Galeano Mourão também destaca que a decisão foi uma vitória, "garantindo a efetiva Justiça, após o provimento dos recursos apresentados, por maioria, perante a Terceira Turma do STJ e obtendo a definição sobre o tema, no sentido de atribuir efeitos ex nunca, ou seja, prospectivos, que valem da data de sua lavratura para frente, à eventual declaração de incomunicabilidade de bens, por intermédio de escritura pública".