Supremo vai definir requisitos para condenação por crime de trabalho análogo ao escravo
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de recurso que discute a tipificação do crime de redução à condição análoga à de escravo e os requisitos necessários para comprová-lo
TIPIFICAÇÃO DO CRIMEPor maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de recurso que discute a tipificação do crime de redução à condição análoga à de escravo e os requisitos necessários para comprová-lo. Assim, a decisão da corte sobre os os elementos que configuram o crime vai servir como baliza para processos sobre o tema em andamento em juízos de todo País.
O recurso foi apresentado ao STF pelo Ministério Público Federal contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região envolvendo três homens acusados de aliciamento de trabalhadores e de redução de 43 pessoas à condição análoga à de escravo. Apenas um deles foi condenado em primeira instância, mas a decisão foi reformada pelo tribunal, que decidiu pela absolvição.
O TRF-1 considerou que condições como alojamentos precários, situações adversas de moradia, falta de instalações sanitárias e de água potável, consumo e uso de água de rio, ausência de proteção pessoal e endividamento dos trabalhadores não eram ‘degradantes ao ponto de inseri-las na condição análoga à de escravo’. Na avaliação da corte, a acusação teria se valido de elementos ‘comuns na realidade rústica brasileira’.
Ao recorrer da decisão, o MPF sustentou que as condições em que os trabalhadores foram encontrados não podem ser consideradas ‘mera realidade local’. Em memorial enviado ao STF, o procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que ‘ampliar a tolerância a situações degradantes é inconstitucional e viola os compromissos assumidos pelo país em tratados internacionais’. Na avaliação da Procuradoria, se as condições retratadas no caso não forem reconhecidas como degradantes, o trabalho em condições análogas à de escravo não terá fim no meio rural.
Ao analisar o caso, o relator, ministro Luiz Fux, considerou que o processo trata da diferenciação das condições necessárias à sua tipificação como degradantes e, ainda, sobre a quantidade de provas necessárias para a condenação pelo crime. Assim, a decisão do STF se dará com base nas normas constitucionais referentes à ‘dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho, aos objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de redução das desigualdades sociais e regionais’. As informações foram divulgadas pelo STF.
Segundo Fux, o Estado Democrático de Direito ‘não deve demonstrar complacência’ diante dos ‘numerosos e inaceitáveis casos de violação aos direitos humanos’ em relação a trabalhadores rurais e urbanos. “Quase 132 anos após a abolição da escravatura no Brasil, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas”, afirmou.
Citando dados do Ministério Público do Trabalho, o presidente do STF afirmou que há 1,7 mil procedimentos em andamento que investigam supostos casos de trabalho análago ao escravo e de aliciamento e tráfico de trabalhadores. Ainda de acordo com estatísticas da Procuradoria do trabalho, entre 2003 e 2018, cerca de 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados do trabalho análogo à escravidão no País.
Ao defender o reconhecimento de repercussão geral sobre o tema, Fux também citou decisões da corte máxima no sentido de que o crime de redução à condição análoga à de escravo está configurado no caso de situações de ofensa constante aos direitos básicos do trabalhador, como a submissão a trabalhos forçados, a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho, sem que haja cerceamento da sua liberdade de ir e vir.