Douglas de Oliveira | 22 de julho de 2021 - 10h04

Governo sanciona nova lei do superendividamento, que terá importantes reflexos na vida dos consumidores

Douglas de Oliveira, Mestre e Doutorando em Direito Empresarial, sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados

ARTIGO
Douglas de Oliveira, Mestre e Doutorando em Direito Empresarial, sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados - (Foto: Divulgação)

O inadimplemento de obrigações financeiras, que faz gerar o famoso “nome sujo”, já aflige muitos brasileiros. De acordo com dados disponibilizados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), constatou-se que cerca de 69,7% das famílias do país estão endividadas.

Não é de hoje que esse dado tem chamado a atenção de especialistas e foi estudado de forma aprofundada por diversos setores, no sentido de compreender até que ponto o superendividamento decorre da cultura dos consumidores ou da oferta irresponsável de crédito pelas empresas.

Nesse contexto, o Congresso Nacional recentemente chegou a um consenso sobre a necessidade de editar uma legislação para proteger o consumidor de boa-fé, daí nascendo a lei do superendividamento nº. Lei 14.181/21, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que prevê práticas para evitar o endividamento excessivo e de risco.

A lei do superendividamento, alterou o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, com vistas a proteger o consumidor de boa-fé, da oferta excessiva e irresponsável de crédito, estabelecendo a necessidade de políticas e práticas voltadas ao estímulo do consumo responsável e a proteção do mínimo existencial, considerado a condição financeira mínima para que o consumidor viva com dignidade.

As alterações realizadas no Código de Defesa do Consumidor, estabeleceram dentre outros pontos importantes, um conceito para o que seria o superendividamento, estabelecido como: a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer o mínimo existencial, para sua sobrevivência digna.

A lei também destaca que o consumidor protegido, é aquele reconhecido de boa-fé, não se aplicando as benesses da lei aos consumidores cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, ou, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente, com o propósito de não realizar o pagamento, ou que decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo e de alto valor.

As mudanças, aumentaram as obrigações dos fornecedores, que a partir da entrada em vigor da lei do superendividamento, não poderão mais indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito, ou, sem avaliação da situação financeira do consumidor, ficando vedada também aos fornecedores, assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produtos, serviços ou créditos, principalmente se o consumidor se tratar de pessoa idosa, analfabeta, doente, em estado de vulnerabilidade agravada, ou se a contratação envolver pagamento de prêmio.

Cabe lembrar que os contratos em geral, são fonte de obrigação e, devem ser realizados nos moldes da lei, com expressa declaração de vontade e de forma lícita, contudo, a lei estabelece premissas a serem seguidas, a partir de uma presunção de vulnerabilidade, diante da falta de conhecimento necessário de muitos consumidores, acerca da compreensão de cláusulas e condições contratuais.

Em razão do objetivo precípuo da lei, que é afastar consumidores de dívidas superiores a sua capacidade de pagamento, foram instituídos pela norma, procedimento extrajudiciais e judiciais, que possibilitarão aos consumidores, a repactuação das dívidas por meio de conciliação, nos Procon’s, Defensorias Públicas, ou  em Juízo, por meio da instauração de processo de repactuação de dívidas, com vistas a realização de audiência conciliatória, com a presença obrigatória dos fornecedores, com a intenção de garantir benefícios para ambas as partes: o consumidor finda seu débito e o fornecedor recebe o que é lhe devido.

O procedimento criado, muito se assemelha a uma recuperação judicial, pois se inicia com uma audiência de conciliação, com a finalidade de repactuação das dívidas, onde o consumidor levará um plano para pagamento de seus débitos, sendo obrigatória a presença de todos os credores.

Além disso, se todas as partes não chegarem em uma composição em audiência, o juízo instaurará em relação as que não aderiram, um procedimento para a revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, sendo que a primeira parcela a ser paga pelo consumidor, será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias.

O plano judicial, assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, em, no máximo, 5 (cinco) anos.

Como o plano será homologado judicialmente, o descumprimento poderá acarretar na continuidade do processamento, para o fim de que o credor possa receber o valor que lhe é devido, garantindo aos credores o direito ao recebimento do crédito, assim como ao consumidor, a possibilidade de realizar o pagamento.

A lei estabeleceu que, a validade dos negócios e dos demais atos jurídicos de crédito em curso, constituídos antes da sua entrada em vigor, devem obedecer ao disposto em lei anterior, mas os efeitos produzidos após a entrada em vigor da lei do superendividamento, subordinam-se aos seus preceitos, ou seja, os benefícios e as possibilidades de repactuação facilitadas, já se aplicam aos contratos firmados antes da entrada em vigor da lei.

Diante disso, se pode concluir que os reflexos da lei do superendividamento na vida dos consumidores são os melhores possíveis, pois incentiva o consumo consciente, implementa políticas de educação financeira e evita que o indivíduo contraía novas dívidas para pagar o débito inicial, assim, evitando dívidas infindáveis e abusos por parte das grandes instituições financeiras, inclusive por meio de utilização de procedimento judicial e extrajudicial próprio para resolução desses conflitos.

Douglas de Oliveira, Mestre e Doutorando em Direito Empresarial, sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados.