Enfrentando barreiras, Ariela, indígena e trans, quer dar voz a mais pessoas de suas comunidades
Residente da Aldeia Tereré, em Sidrolândia, a terena se reconheceu muito nova como mulher transexual, e espera que mais pessoas consigam fazer o mesmo
REPRESENTATIVIDADENascida e crescida numa comunidade indígena, Ariela Rodrigues, 22, entendeu-se muito cedo como mulher transexual. Ainda muito nova, na adolescência, a terena se assumiu e iniciou sua busca pelo autoconhecimento e aceitação. Hoje, mais velha e com muito a ensinar, Ariela busca usar sua voz para representar mais pessoas indígenas e LGBTQIA+ na sociedade.
“Aos 15 anos eu já me entendia, mas não comecei a minha transição como mulher trans. Aos 16, comecei a deixar crescer o cabelo. Já sabia que tinha o espírito de mulher dentro de mim. Então, nessa idade, fui me entendendo, procurando saber mais e comecei a busca por me encontrar. Não digo que foi um processo difícil, mas também não foi fácil. Foi tranquilo”, relembra.
Membro da Aldeia Tereré, uma aldeia urbana em Sidrolândia, conta que não teve acesso a informações sobre transexualidade em sua comunidade e que o apoio familiar foi essencial em sua formação. “Eu tive que procurar sozinha, fui atrás de informação, porque precisava entender o que estava acontecendo comigo. Dentro da aldeia não tive nenhuma fonte de conhecimento sobre a minha orientação sexual, de mulher trans, mas, sempre estive aqui com a minha família me dando força e me ajudando”, relata.
O termo trans é utilizado para se referir a uma pessoa que não se identifica com o gênero ao qual foi designado em seu nascimento e é a abreviação de transexual ou transgênero. Quando o indivíduo vem ao mundo, a ele é atribuído a designação de homem ou mulher de acordo com seu gênero determinado pelo sexo. Contudo, algumas pessoas não sentem esse pertencimento e passam a viver como o oposto, de modo a encontrar sua identificação de gênero.
A terena trabalha como cabeleireira desde os 15 anos - (Foto: Arquivo Pessoal)
Ariela explica que questões sobre diversidade de gênero e orientações sexuais entre os membros da sua comunidade é recente, porém respeitada. “A pauta da comunidade LGBT é muito nova. Eles sabem quem são LGBT e enxergam como normal, é tudo respeitado. As pessoas da minha aldeia entendem que estamos no mesmo ambiente e que vão ter que nos respeitar, especialmente porque a cada dia, a cada momento, têm pessoas diversas buscando espaço”, conta.
“Costumo dizer que eu sou uma pessoa super abençoada por Deus, porque ele me deu a família que eu mais precisava, que sempre está comigo e me apoia. Acredito que quando temos uma família do nosso lado, temos tudo”, comemora. Ela esclarece, ainda, que a comunidade em que vive tem muito apreço pela sua história, mas que foi necessário conquistar aceitação aos poucos.
Quando o assunto é preconceito, garante que não se abala, mas que enxerga como uma forma de força. “Sempre tem aquelas brincadeirinhas, aquelas coisas chatinhas que estão no dia-a-dia. Encaro esse sofrimento e essas palavras como forma de empoderamento. Uma coisa que eu carrego sempre comigo é que as minhas diferenças são minhas e as pessoas tem que respeitar queiram ou não. Cada palavrão, cada xingamento, eu paro e penso que é uma forma de eu estar lutando”, aconselha.
Ela esclarece, também, que existem mais pessoas do “vale” (forma como as pessoas LGBTQIA+ se referem a membros da comunidade) na Aldeia Tereré, mas que o medo das reações extrínsecas a eles os impede de mostrar quem realmente são. A terena conta que espera que, um dia, seus colegas tenham abertura e coragem de poderem assumir suas orientações sexuais.
Atualmente, trabalha em um salão no centro de Sidrolândia como cabeleireira, profissão que exerce desde seus 15 anos. Sobre o mercado, demonstra que só quer ser respeitada. “Estamos ocupando vários espaços, principalmente no mercado do trabalho, e para fazer um trabalho bem feito. Somos seres humanos, pagamos os mesmos impostos. Não queremos nada além de respeito e que as pessoas entendam que não somos fantoches”, afirma.
Ariela em cena do documentário "Sempre Existimos" - (Foto: Reprodução/YouTube)
A cabeleireira participou do filme “Sempre Existimos”, de Tanaíra Sobrinho Terena, onde relatos LGBTs e indígenas se unem em cenas emocionantes com o propósito de dar visibilidade a mais pessoas. “Participar desse documentário foi maravilhoso. Falar sobre a minha orientação sexual e história é algo que eu sempre quis. Falar sobre onde eu vim e quero chegar, além que os ensinamentos que eu quero passar para a sociedade foi muito importante para mim”, exalta.
No curta, reforça a importância de estar na linha de frente de uma pauta onde muitas pessoas morreram para que Ariela e outros membros da comunidade LGBT consigam mais inclusão. Tanaíra explica que existe uma junção de jovens indígenas que enfrentam não só a dissidência de gênero e sexualidade, mas também uma invisibilidade em assuntos da temática.
O documentário lançado no último sábado (12) conta com a participação de Samanta Oliveira Terena, abordando a transexualidade, e Eriki Paiv, que conta sobre o cotidiano do homem homossexual indígena, e está disponível gratuitamente no YouTube.
A terena quer alcançar o máximo de pessoas possíveis com sua história e conseguir representar homens e mulheres transgêneros e transexuais. “Espero que cada LGBTQIA+ se jogue, parem de ficar se escondendo. A representatividade está conquistando muitos lugares no Brasil, então, não tenham medo. Ser representado é muito importante para nós, quero conseguir ajudar muitas pessoas com a minha história, dar voz para muitos que não tiveram oportunidade”, finaliza.
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