Da Redação | 10 de dezembro de 2020 - 16h30

Consórcio Guaicurus classifica como equivocado veto a auxílio de R$ 4 bilhões ao transporte público

O diretor-presidente João Rezende Filho considera que o Governo Federal reagiu de maneira insensata

EQUÍVOCO
O diretor-presidente João Rezende Filho do Consórcio Guaicurus - (Foto: Divulgação)

O veto do presidente Jair Messias Bolsonaro ao auxílio de R$ 4 bilhões aos sistemas de transporte público no Brasil foi classificado pelo Consórcio Guaicurus, que é responsável pelo transporte coletivo urbano de Campo Grande (MS), como equivocado, pois o bloqueio desse recurso pode colapsar os sistemas de ônibus em várias cidades brasileiras. Conforme o diretor-presidente do Consórcio Guaicurus, João Rezende Filho, o posicionamento em relação a esse comportamento do Governo Federal é completamente contra.

"Como um presidente da República pode vetar um projeto que ele mesmo conduziu por meio da sua liderança no Senado e na Câmara dos Deputados? Na verdade, ele está vetando um socorro para as prefeituras de todo o Brasil que deveria estar disponível para o setor de transporte, não para as empresas de transportes, pois, da maneira como esse recurso estava sendo tratado, seria destinado para as administrações municipais cumprirem com parte dos seus compromissos estabelecidos em contrato e reestabelecer o equilíbrio operacional do sistema", alertou João Rezende ao falar com a reportagem do Jornal A Crítica.

Ele completa que a Prefeitura de Campo Grande, com certeza, estava aguardando, assim como o Consórcio Guaicurus, bem como as demais prefeituras de Mato Grosso do Sul e do resto do Brasil. "Isso é tão verdade que a FNP (Frente Nacional de Prefeitos), fórum que reúne mandatários das maiores cidades do País, emitiu uma nota de descontentamento e repúdio a essa posição do Governo Federal, solicitando ao Congresso Nacional derrube o veto do presidente Jair Bolsonaro", declarou.

Para o Consórcio Guaicurus, é algo muito triste e só demonstra o desprezo por um setor essencial e um direito do cidadão brasileiro. "A população precisa ter conhecimento sobre essa questão e cobrar das autoridades a efetividade desse direito social. Esperamos que essa situação gravíssima possa estimular a sociedade para exigir providências. Por isso, eu conclamo a imprensa para que faça a divulgação dessa decisão do Governo Federal para que coloque às claras a gravidade do problema que foi criado com esse veto", solicitou.

Para o Consórcio Guaicurus, é algo muito triste e só demonstra o desprezo por um setor essencial e um direito do cidadão brasileiro

O diretor-presidente do Consórcio Guaicurus ainda reforça que não se pode ficar dependendo de recursos da iniciativa privada, no caso, dos empresários que operam o transporte, seja em Campo Grande ou em qualquer outra cidade do País, a garantia de um serviço público essencial. "O Governo, realmente, reagiu de maneira insensata. Comenta-se que uma Medida Provisória deve ser editada nos próximos dias para trazer então essa verba para as prefeituras, que poderão cumprir com parte do seu compromisso junto às concessionárias de transporte coletivo urbano", revelou.

Entenda o caso

O veto do presidente Jair Bolsonaro foi publicado na edição desta quinta-feira (10/12) do Diário Oficial da União. O projeto de lei aprovado pelo Congresso injetaria recursos nos sistemas de transporte público de cidades com mais de 200 mil habitantes, que, com perdas de passageiros que passaram dos 80% nos momentos de maior agravamento da pandemia, começaram a entrar em colapso.

A medida surpreendeu entidades da área porque o texto havia sido articulado com o próprio governo federal. Pelo projeto, o recurso seria liberado com contrapartidas como a exigência de que as cidades não fizessem cortes ou redução abrupta da oferta, a garantia da frota necessária para atender a população com segurança sanitária e a garantia de gratuidades.

Além disso, incentivava também a criação de faixas exclusivas de ônibus pelas prefeituras, bem como ciclovias e áreas para pedestres. A ideia inicial, no começo da pandemia, era um auxílio de R$ 6 bilhões, valor que baixou após negociações para R$ 4 bilhões. Estimativa do setor estipulam mais de R$ 14 bilhões de prejuízos em sistemas de ônibus, metrôs e trens pelo País.

O Ministério da Economia argumentou que a medida não apresenta estimativa do impacto orçamentário e financeiro, que a aplicação dos recursos poderia ultrapassar o período de calamidade pública, podendo acarretar redução de receita (o que demandaria apresentar uma medida compensatória) e que esbarra em recomendações do TCU (Tribunal de Contas da União) que estabelece que os recursos só podem ser executados durante o estado de calamidade.

A FNP soltou nota em que disse ter recebido a notícia "com perplexidade". "Cabe lembrar que a intensa negociação desse projeto emergencial, envolvendo União, parlamentares, estados e municípios, se arrastou por longos oito meses, justamente pela morosidade que o governo federal imprimiu ao processo. E, agora, alega na justificativa do veto que a lei 'poderia ultrapassar o período de calamidade", diz a entidade.

A FNP diz que o veto trará mais dificuldades ao setor - que enfrenta crise devastadora, e que o colapso do sistema representa desafio aos prefeitos que tomam posse em janeiro, período de reajuste das tarifas. "Brasília demonstra não ter aprendido com as manifestações de 2013. Alguns gabinetes lavam as mãos e alegam se tratar de uma responsabilidade exclusivamente local, como não se tratasse de uma política pública evidentemente federativa e estratégica para o país. O resultado dessa omissão federal poderá ser um apagão de proporções desconhecidas", diz a FNP, em referência aos protestos que começaram contra o reajuste em tarifas de ônibus e paralisaram o país.

A coordenação de mobilidade do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) diz que o auxílio seria positivo por não apenas injetar dinheiro nas empresas, mas pelas contrapartidas que exigia. "E deixaria um legado, também pelo fato de o governo federal investir no transporte público, algo que é previsto desde 2012, mas que não ocorre, deixando os sistemas a cargo das prefeituras", traz o posicionamento do Instituto.

O Idec afirma que o problema não ocorre apenas no Brasil, mas no mundo todo e cita a ajuda de R$ 25 bilhões dada pelo governo dos Estados Unidos aos sistemas de transporte público americanos em abril. A ANPTrilhos, entidade que representa os serviços de metrô, trem urbano e VLTs, afirmou que "recebeu com indignação a decisão presidencial". "A falta de recursos afetará milhões de brasileiros que só tem o transporte público como meio de deslocamento", disse, em nota.

Segundo a entidade, os sistemas metroferroviários do país já têm déficit de mais de R$ 7 bilhões desde março em termos de receita tarifária. "Setores como aviação civil e energia elétrica foram rapidamente socorridos pelo governo federal, mas o setor de mobilidade, que garante o deslocamento do cidadão nas cidades, incluindo aqueles que trabalham na linha de frente para o combate ao coronavírus, tem sido relegado pelas autoridades", diz a ANPTrilhos.