Autor de texto que deturpou declaração de repórter do Estadão ataca "esquerda"
POLÍTICAO cineasta Jawad Rhalib, de 53 anos, afirma não ser "nem de esquerda, nem de direita, nem de centro". O homem que deturpou declarações da repórter Constança Rezende, do jornal O Estado de S. Paulo, para acusá-la falsamente de querer arruinar o presidente Jair Bolsonaro resolveu atacar o que chama de "esquerda" em sua primeira entrevista desde que pôs em seu blog o texto que deu origem à publicação no site bolsonarista Terça Livre. Esta acabou utilizada pelo presidente para atacar a imprensa em razão das investigações contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Dizendo-se "um jornalista independente e sem nenhuma conta a prestar a ninguém", Rhalib negou ter relações com partidos políticos ou com políticos. E afirmou: "Quando fazia trabalhos abordando questões da esquerda, a direita jamais me atacou. Mas quando eu trato de um tema da direita, aí tudo é uma tempestade. É o que eu chamo de 'ditadura da esquerda'." Rhalib não especificou o que ou quem seriam os integrantes dessa esquerda.
O homem que procura se colocar como vítima do que chama de esquerda publicou seu texto Para onde vai a imprensa? no site de informações francês Mediapart, em 6 de março. Com apenas 20 seguidores, o blog de Rhalib foi encontrado e serviu de base para um artigo em defesa de Bolsonaro no jornal ligado à alt-right americana Washington Times, controlado pela Igreja da Unificação, fundada pelo reverendo Moon. Dois dias depois, o mesmo texto com a notícia falsa foi retomado pelo Terça Livre.
Durante a semana, o diretor do Mediapart, o jornalista Edwy Plenel, não só chamou o texto de Rhalib de mentiroso, como afirmou que o cineasta baseou-se em "conclusões erradas e traduções incorretas". Em razão disso, o Mediapart retirou do ar o texto de Rhalib por concluir que ele trazia uma notícia falsa, o que desrespeitava as regras do site.
O Estado de S. Paulo entrevistou Rhalib em Bruxelas, quando o cineasta de origem belgo-marroquina se preparava para viajar para o Canadá. Amanhã, ele vai apresentar seu documentário No tempo em que os árabes dançavam no Festival Internacional de Filmes de Arte, em Quebec. A semana começou para ele com dezenas de telefonemas para seu apartamento, na Rua de Molenbeek, no bairro homônimo de Bruxelas.
Ali, o cineasta mora no quarto andar de um dos quatro blocos de prédios do condomínio quase ao lado do porto fluvial da capital belga, no Rio Senne. O bairro, que ficou conhecido por abrigar árabes ligados ao extremismo salafista, passa nos últimos dois anos por obras por todos os lados, nas quais os antigos galpões industriais dão lugar a novos prédios de apartamentos.
"Não temos mais sossego. Até de madrugada o telefone toca. Não consigo dormir", disse Christine Migeotte, a diretora da R&R Productions, a empresa da qual Rhalib é sócio. O outro sócio da produtora é o publicitário Nourdin Rhaleb, CEO da agência VMLY&R, no Marrocos, que detém as contas de diversas empresas multinacionais.
Funções
O Estadão procurou Rhaleb para saber quais suas funções na produtora e se a agência que ele dirige no Marrocos tem participação editorial ou financeira nos projetos da R&R Productions, mas não obteve resposta. "Jawad Rhalib é um conhecido cineasta e ele, antes, é um homem de esquerda. Não tem nenhuma relação com a extrema direita", disse Christine. "Ele deu essa opinião (o artigo em que distorceu as declarações de Constança) na internet e daí foi essa tempestade midiática."
No bairro em que mora, Rhalib é um homem conhecido - ele vive há cerca de cinco anos no mesmo apartamento. Foi somente depois de o Estadão contatar Christine e o sócio do cineasta que Rhalib decidiu responder por escrito às perguntas do jornal. Antes, porém, Christine chegou a ameaçar a reportagem no meio da rua. "Se você continuar batendo em cada porta do bairro, nós vamos acionar nossos advogados para processá-lo."
Nascido em Meknès, no Marrocos, Rhalib se formou em comunicação na Universidade Louvain-La-Neuve, que tem o francês como língua de ensino. "Não sei porque esse cineasta, que nunca trabalhou sobre o Brasil, e que trabalhou apenas sobre o mundo árabe muçulmano e a região do Magreb, de repente postou essa manipulação em seu blog no Mediapart", afirmou o jornalista Edwy Plenel à Radio France Internacional.
Rhalib também se diz iluminado por um livro de três autores franceses - dois deles são antigos oficiais da área de informações, formados pela Escola de Guerra Econômica, em Paris. Trata-se de As redes de Soros para a conquista da África, que acusa o milionário George Soros de usar organizações não governamentais, como a Human Rights Watch, para derrubar governos africanos e assim dominar a riqueza dessas nações.
A mãe de Rhalib era uma dançarina no Marrocos e serviu de inspiração para seu documentário a respeito do preconceito contra a dança que se espraiou entre os árabes do Magreb ao Nilo. Rhalib disse que não esperava que seu blog pudesse despertar a "tempestade" que se seguiu à sua publicação sobre a imprensa e Bolsonaro. E afirmou que pretende produzir um documentário sobre a mídia. "O caso Bolsonaro não é o tema do meu documentário investigativo, mas sim o tratamento da informação pelos jornalistas."
O cineasta se negou a fornecer a cópia completa da entrevista de Constança Rezende ao seu "colaborador", que ele identificou como um estudante da Universidade do Texas. "Vou guardá-la para meu documentário." Ele reafirmou que a imprensa quer "arruinar" Bolsonaro e diz que isso pode ocorrer com outros presidentes, inclusive aqueles "de esquerda".
Ao justificar como seu blog foi encontrado em pouco tempo pela direita americana, iniciando o processo que levou ao tuíte de Bolsonaro, Rhalib comparou seu post a um filme. "Depois de fazer um filme, ele não mais lhe pertence. Você sabe bem disso. Infelizmente, nós não temos mais nenhum controle sobre isso, todo mundo pode usá-lo como bem entende. Esse foi o caso", afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.