31 de dezembro de 1969 - 21h00

José Eduardo Cury

Entrevista Exclusiva
Mais do que conhecimentos técnicos específicos da sua área atuação, secretários, diretores de autarquias e presidentes de empresas públicas, precisam ter o perfil de gestor, aliando capacidade de liderança, conhecimento jurídico, sem negligenciar o jogo cintura de necessário para comandar um “órgão”.
 
“Com órgãos de controle atuantes, legislação rigorosa, é uma sociedade antenada na aplicação dos recursos públicos que tem sua exposição assegurada pela lei da transparência, não há espaço para amadorismo, nem improvisação na gestão pública”, sentencia o advogado José Eduardo Cury, com pós-graduação em direito administrativo e constitucional. “Nem sempre o médico da cidade, necessariamente, é o nome mais indicado para a Secretaria de Saúde. No comando da Secretaria sua principal função é de gestor, não é de fazer diagnóstico’, observa. Confira os principais trechos da entrevista concedida à Critica pelo advogado. 
 
A Critica - O que o gestor público deve levar em conta, na hora de executar os projetos e obras, além da viabilidade técnica, da disponibilidade orçamentária, financeiro e do apoio popular?
 
José Eduardo Cury - O ordenamento jurídico atual está cada vez mais rígido e com menos brechas para o gestor público tomar decisões de forma pessoal, discricionária. Não há outro caminho a não ser, seguir a risca o que prevê a lei. As penalidades estão cada vez mais severas. Qualquer aplicação de recurso, diferente da destinação original do recurso, gera a obrigação pessoal do ordenador de despesas de devolver o recurso, ainda que não fique provado desvio ou apropriação. Mesmo que tenha havido uma melhor aplicação da verba pública, mas como fugiu do objetivo inicial da liberação do dinheiro, o administrador vai ser responsabilizado por isto. Exatamente por conta destas implicações legais, aumenta a necessidade de ele estar muito bem preparado, especialmente cercado de conhecimento destas legislações que praticamente todos os dias sofrem mudanças. Ele precisa estar atento aos julgados dos tribunais, para não ser surpreendido com penalizações.
 
A Crítica- Ou seja, além do embasamento técnico específico, o gestor precisa, mais do que nunca, de uma segurança jurídica na hora de tomar as decisões?
 
Cury – Muitas vezes a saída técnica não é a mais indicada porque vai ferir algumas questões jurídicas. É impossível a administração andar sem que haja harmonização entre viabilidade técnica e o ordenamento jurídico. Antes mesmo do estudo de viabilidade financeira, orçamentária e ainda que haja clamor popular para este ou aquele ou projeto, o gestor público precisa estar amparado pelo principio da legalidade administrativa.
 
A Crítica _ No caso concreto da educação, que conta com recursos tem uma fonte de financiamento carimbada, o Fundeb, o prefeito, o governador, pode usar os 40% reservados ao custeio, por exemplo, para construir ou reformar escolas, comprar o material escolar?
 
Cury - Por mais que o custeio esteja atendido, o gestor não pode dar outra destinação, ainda que a intenção seja justamente atender a comunidade com um melhor ambiente escolar. Está impedido também de usar os recursos para comprar uniforme, que é interpretada como uma política de assistência social. Qualquer deslize, qualquer infração a regra, vai trazer prejuízos pessoais ao ordenador de despesa. A lei de responsabilidade fiscal, por exemplo, prevê que o ordenador de despesas tem responsabilidade pessoal na ma utilização dos recurso públicos, podendo ser obrigado a devolver aquela quantia, com multa de ate três vezes o valor do recurso, alem de ficar proibido de contratar com a administração por um período de ate 10 anos. Fora isso, a Lei da ficha limpa o tornará inelegível por oito anos. Não ha nenhum ato administrativo 100 discricionário, todos os atos estão vinculados a lei.
 
A Crítica – Na prática estas regras rigorosas estão levando a punição dos gestões que a desrespeitam?
 
Cury - Tem havido uma enxurrada de decisões dos tribunais de contas punindo ex-gestores com a devolução e multa dos recursos, muito embora não se prove que tenha havido desvio do dinheiro público. O gestor deve ficar mais atento com as particularidades jurídicas da sua pasta, notadamente aquelas que possuem recurso federal, como são os casos das área da educação, saúde, obras e meio ambiente
 
A Crítica – A necessidade de uma blindagem jurídica para o gestor, quebra alguns paradigmas da gestão pública, pelos quais, o cargo de Secretário de Saúde é privativo dos médicos. A Secretaria de Educação, obrigatoriamente deve ser conduzida por um professor?
 
Cury - Na minha avaliação, independente do conhecimento técnico específico destas áreas importantes, é fundamental que os secretários sejam gestores. Tivemos um exemplo da importância de se escolher alguém com perfil gestor, foi o caso do ex-secretário municipal de Meio Ambiente de São Paulo, Eduardo Jorge, que embora sendo médico por formação profissional , teve sua atuação na área reconhecida nacionalmente. É preciso aliar vocação como gestor, conhecimento jurídico e técnico, com o necessário jogo de cintura para comandar um órgão público. Quando falo em política, não estão na politicamente, mas num instrumento legítimo do processo democrática que é a política. 
 
A Crítica – Na área da saúde, por exemplo, os grandes hospitais são comandados por gestores, não necessariamente por médicos.
 
Cury –Precisamos trazer para o serviço público princípios que estão consolidados na iniciativa privada. Não são recrutados para gerir as empresas de maior sucesso técnico da área em que atua e sim o melhor gestor. Para ser um bom gestor, nem sempre é preciso um conhecimento profundo da área específica, mas ter um leque de conhecimento de inúmeras áreas. Com isto, o gestor terá uma visão ampla e vai colocar os técnicos nas suas áreas de conhecimento específico. O modelo do administrador moderno passa pela descentralização e a escolha de um gestor que consiga escalar as pessoas nas posições corretas. Alem de inserir a meritocracia como principal forma de ascensão na carreira, valorizando aqueles que efetivamente se destacam. Na pasta da Saúde, por exemplo, talvez o melhor médico da cidade, não seja o melhor secretário. O secretário não faz diagnóstico do paciente, que é o trabalho do médico que está na ponta. É preciso ter um grande gestor, que nem sempre é o profissional de saúde. 
 
QUEM É JOSÉ EDUARDO CURY - José Eduardo Chemin Cury é advogado militante e sócio do Escritório Jurídico Pradebon, Cury & Luna Advogados Associados; pós-graduado em Direito Administrativo (UNAES) e Constitucional (PUC/SP), foi Assessor do Presidente da Câmara Municipal de Campo Grande no período de 2.000 a 2002; Assessor Jurídico Parlamentar do Deputado Estadual Nelson Trad Filho no período de 2003 a 2004; Assessor Gerencial da Secretaria Municipal de Governo de Campo Grande de janeiro de 2.005 a dezembro de 2.008; Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Ribas do Rio Pardo – MS desde fevereiro de 2.005; Parecerista junto à Presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul de março de 2.008 a dezembro de 2.009; Ocupou o cargo de Vice-Presidente da Escola Superior de Advocacia – ESA nos anos de 2.008 e 2009; Ministrou aula como professor substituto na UFMS no ano de 2.003 e em 2004 da Faculdade Estácio de Sá; Foi professor titular durante o ano de 2008 da Faculdade de Campo Grande.