25 de março de 2014 - 08h12

Zuzu Angel e a moda como denúncia social

Moda
Equipe responsável pela mostra - Reprodução / Valor
A trágica história de vida da estilista Zuzu Angel - que teve o jovem filho, Stuart Angel Jones, assassinado durante a ditadura militar - pode ter camuflado a importância de seu trabalho para a moda nacional. Mas até morrer em um acidente de carro, bastante suspeito, em 1976, ela contribuiu para divulgar o "life style" brasileiro de maneira inédita até então. Em um período (anos 1960 e início dos 1970) em que o estilo europeu reinava sobre o gosto da elite daqui, Zuzu ousou nadar contra a corrente em prol de uma beleza brejeira e fora dos padrões. Com a mesma obstinação com que tentou desvendar o desaparecimento do filho, Zuzu buscou valorizar a cultura brasileira, homenageando-a na forma de estampas, de cores e de muita feminilidade.
 
Felizmente, a mostra "Ocupação Zuzu", que fica em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, entre 1º de abril e 11 de maio, promete corrigir a imagem distorcida que a estilista-ativista política acabou conquistando através dos anos. Expondo cerca de 400 itens, entre vestidos, material de propaganda, desenhos, documentos, objetos, fotos e cartas, a mostra vai evidenciar os lados criadora de moda e empresária dessa mineira de Curvelo, que se estabeleceu no Rio e levou a moda nacional para além das fronteiras do País.
 
Algumas peças que compõem o acervo da exposição (acima e abaixo): Zuzu provavelmente expandiria sua linha de produtos para artigos de casa e perfumaria, transformando seu ateliê em uma verdadeira "maison" de moda, nos moldes das que surgiam na Europa.
 
Nos três andares do Itaú Cultural, onde estará dividida, a exposição vai evidenciar, por exemplo, o lado empreendedor de Zuzu. "Será um olhar sobre o processo e não apenas sobre o produto", diz Valéria Toloi, gerente do núcleo educativo o instituto. "Zuzu foi uma verdadeira mulher de negócios e não fosse a morte precoce, provavelmente teria evoluído muito mais como fashion designer." Valéria divide a curadoria dessa ocupação com Hildegard Angel, filha de Zuzu, Claudiney Ferreira (gerente do núcleo de audiovisual e literatura) e Valdy Lopes Júnior - este último também assina a cenografia da mostra.
 
Esse espírito à frente de seu tempo poderá ser percebido por meio de papelaria, embalagens e outros materiais de marketing que levavam o nome Zuzu. E também pelas outras linhas de produtos desenhados pela estilista. "Ela criou roupas para diversas ocasiões, inclusive para trabalhar, mostrando um entendimento sobre a mulher que estava nascendo no Brasil", afirma Claudiney Ferreira. Os curadores acreditam que Zuzu provavelmente expandiria a linha de produtos, para artigos para casa e perfumaria, transformando o seu ateliê numa verdadeira "maison" de moda - nos moldes das que surgiam na Europa. "No momento em que Zuzu despontou, o Brasil vivia um boom econômico, com a classe média aumentando o seu poder de consumo", diz Ferreira. E era para essa mulher que a estilista criava.
 
A intenção do grupo de curadores foi a de não privilegiar uma única faceta de Zuzu. Ainda assim, é forte o apelo de sua história como mãe de um preso político no auge da ditadura. A data de abertura dessa ocupação - a 17ª realizada pelo Itaú Cultural - marca os 50 anos do Golpe Militar. O assunto, portanto, está de volta a público. E por meio da mostra, será possível conhecer um pouco dos bastidores desse momento terrível. "Zuzu escrevia muito e muito bem", afirma Ferreira. Várias cartas recebidas e enviadas pela estilista, a artistas e autoridades, poderão ser vistas na mostra - sendo algumas delas inéditas.
 
Segundo Hildegard Angel, o acervo deixado por sua mãe é imenso. "Tem muita coisa que não conseguimos mostrar. Minha mãe era muito organizada, guardava tudo", diz Hildegard. "Fizemos uma boa seleção de sua correspondência para expor a coragem extraordinária, num período terrível: o governo Médici [1969 a 1974]".
 
Algumas peças que compõem a exposição
 
Projeções dos desfiles da estilista, a recriação de um ateliê de costura e performances ao vivo vão trazer luz à verve iconoclasta de Zuzu. Entre os aproximados 40 looks que serão exibidos, há os seus irreverentes vestidos de noiva; os trajes de luto que ela passou a usar depois da perda do filho; além de roupas apresentadas no famoso desfile de protesto que a estilista fez em Nova York, no começo dos anos 1970. São fragmentos que ajudam a formar uma ideia mais precisa dessa mulher que usou a moda como denúncia social, mas também ajudou a construir o primeiro esboço do estilo genuinamente brasileiro.