Por que o dono de shopping center pode ser responsável pelo fracasso de seus lojistas
Artigo
Luiz Octávio Villela de Viana Bandeira (*)
Não há nada de errado nisso. Na verdade, aquele templo do consumo no qual a pessoa está prestes a entrar foi justamente formulado para que ela se dedique, sem demais embaraços, à atividade de consumir.
Não fica aparente que tal lugar é fruto de uma complexa relação econômica e jurídica encabeçada pelo empreendedor de shopping center que, com sua expertise, idealizou um novo lugar para que os lojistas e consumidores se encontrem em ampla harmonia. Todavia, se o dono do shopping é a mente orquestradora da obra, talvez passe quase despercebido que há uma efetiva necessidade de coordenação de esforços entre tal empreendedor e os lojistas para que o empreendimento tenha sucesso. Muito mais que uma simples locação de espaço, o shopping center representa uma joint venture entre vários empresários que atuam em diferentes camadas, e tal fato tem grande relevância da atribuição jurídica de riscos e responsabilidades, sobretudo no caso de fracasso.
A locação em shopping center é uma situação jurídica relativamente nova no Brasil, advindo da experiência americana na década de 1950, produzindo suas primeiras manifestações entre nós na década de 1960. Trata-se efetivamente de um modo de organização que tem grande aceitação no contexto atual, e com grande perspectiva de crescimento para os próximos anos, conforme dados da ABRASCE – Associação Brasileira de Shoppings Center. O faturamento do setor em 2012 foi de R$ 119,5 bilhões, e espera-se um aumento de 12% no ano de 2013. Ao contrário das experiências de consumo mais comuns, tais como galerias de loja, ou comércio de rua, o shopping se destaca pela organicidade imposta pelo dono do empreendimento. O dono do shopping center age efetivamente como empresário, no sentido de organizar a distribuição dos lojistas em um centro único de compras confeccionado para tal fim. Uma situação que dificilmente pode ser equiparada a de um simples locador de imóveis.
A atividade empreendedora faz com que a locação dentro de um shopping tenha características que não são encontrados nas locações comerciais comuns. A complexidade da relação envolve uma miríade de elementos. O primeiro a ser destacado é a profusão de instrumentos que são necessários para disciplinar tal relação. Além do contrato de locação, há ainda as normas declaratórias gerais, o regulamento interno do empreendimento e estatuto social da associação de lojistas. Existem também cláusulas especiais que surgem especialmente no âmbito do shopping center. É o caso da remuneração variável do aluguel, que faz com que a loja de chocolate pague mais durante a páscoa e a loja de brinquedos arque com o aluguel maior no mês das crianças.
Além disso, mesmo antes da inauguração do shopping, os lojistas já tiveram que, contratualmente, desembolsar valores em favor do empreendedor, de modo a tornar o empreendimento economicamente viável. É o que se chama de res sperata, ou seja, “coisa esperada”, e o que se espera é justamente um espaço dentro do estabelecimento, que possivelmente trará bons resultados aos lojistas. Afinal, confia-se na habilidade do empreendedor em conseguir desenvolver uma organização de lojas e espaços que dê bons frutos (o chamado tenant mix).
Tais características trazem importantes consequências jurídicas. Elas deixam óbvio que entre empreendedor e lojistas são criados deveres mútuos, que devem ser cumpridos em atenção à confiança criada entre as partes pelas promessas elaboradas. O empreendedor se vincula ao apresentar um plano factível de movimento de consumidores dentro do estabelecimento pelo qual irá pedir a contraprestação para o financiamento do empreendimento. Em termos jurídicos, isso significa dizer que o empreendedor terá o dever perante os lojistas de efetuar todos os esforços prometidos para o desenvolvimento da atividade, e, logicamente, responderá civilmente pelos danos causados caso não o cumpra.
O Poder Judiciário é chamado a decidir disputas que surgem nos casos em que o empreendedor do shopping center não cumpriu seus deveres perante os lojistas. O Superior Tribunal de Justiça, em relevante e recente precedente, entendeu que as promessas feitas durante a construção do shopping aos lojistas, envolvendo planos que prometiam o incremento da frequência do público, vinculam o empreendedor. Assim, o não cumprimento de tais compromissos justificaria a resolução do contrato, surgindo, consequentemente, o dever de indenizar. Na mesma oportunidade o tribunal julgou abusiva a cláusula que isentava a administradora do shopping de responder pelos danos causados os lojistas.
O shopping center se tornou notadamente um grande negócio no Brasil. O setor cresce em ritmo constante a cada ano que passa, e os empreendedores aproveitam tal oportunidade para preparar novos projetos e aperfeiçoar sua expertise no setor. Todavia, ainda que a elaboração daquele conjunto harmonioso de lojas que cai nas graças do público esteja a cargo do empreendedor, ele não consegue ter sucesso sem a ajuda financeira e comercial dos lojistas. O outro lado dessa cooperação é a responsabilidade. Caso o fracasso econômico dos lojistas esteja associado à displicência do empreendedor, que não teve a competência de cumprir as promessas feitas antes da construção do shopping e durante sua administração, deverá ele responder pelos danos causados.
(*) O autor é especialista em Contratos Empresariais pela FGV. Mestre (LL.M) em Direito Comercial e Empresarial pela London School of Economics and Political Science. Mestrando em Direito Civil pela PUC-SP. Advogado em São Paulo e Campo Grande.